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A jihad europeia luta pelo califado

Centenas de combatentes da França, Reino Unido e outros países europeus engrossam as fileiras do Estado Islâmico

Vídeo que mostra Abu Muthanna al Yemeni (centro), cujo nome real é Nasser Muthana, de 20 anos e originário de Cardiff (Reino Unido).
Vídeo que mostra Abu Muthanna al Yemeni (centro), cujo nome real é Nasser Muthana, de 20 anos e originário de Cardiff (Reino Unido).AFP

São entre 2.000 e 4.000, segundo fontes, e entre eles há uma maioria de franceses e britânicos. São cidadãos da UE que nos últimos anos viajaram para a Síria e o Iraque – e, antes, à Líbia– e combatem agora pelo Estado Islâmico (EI) para criar um califado que seja regido pela versão mais estrita da sharia, a lei islâmica. São jovens seduzidos pelos radicais, principalmente por meio das redes sociais ou videogames como Call of Duty.

A imagem daquele que os meios de comunicação britânicos chamam de Yihad John, o homem que aparentemente decapita o jornalista James Foley, causou um grande impacto no Reino Unido. Mas Simon Palombi, especialista em segurança e contraterrorismo do centro de estudos Chatham House, observa: “Na história sempre houve combatentes estrangeiros nas guerras, não creio que agora na Síria seja algo especialmente significativo”. “O fato de que tenha sido um britânico quem levou a cabo o assassinato de James Foley é, sobretudo, uma questão de propaganda, uma tentativa de provocar a reação do Governo e da mídia, para estar mais tempo em primeiro plano. O EI está jogando muito bem a cartada da propaganda.”

A presença de um grande número de franceses entre os combatentes europeus pode ter uma explicação demográfica: a França é o país da UE com mais cidadãos muçulmanos, tanto em número total (4,7 milhões), como em termos relativos (7,5% da população, um porcentual só superado pelo Chipre). O Reino Unido, porém, embora tenha uma presença considerável de muçulmanos (2,9 milhões, 4,6% da população) está atrás da Alemanha (4,1 milhões, 5%), um país onde o problema do jihadismo não parece ter a mesma proporção.

Cerco aos extremistas

A polêmica ministra britânica do Interior, Theresa May, quer ampliar a legislação antiterrorista com novas medidas que permitam às autoridades conter os extremistas contra os quais atualmente não se pode agir quando não existem provas de que eles estejam violando as leis em vigor. Em um artigo no jornal The Daily Telegraph, intitulado "Precisamos nos dar todos os poderes legais que necessitamos para triunfar", a responsável pelo Home Office afirma que endureceu as medidas contra os britânicos que partem para combater na Síria e no Iraque, mas diz que ainda precisa de mais poderes.

Apesar de suas demandas serem genéricas, May alega que está “examinando outra vez a possibilidade de novas ordens de proibição para grupos extremistas que se enquadrem no teto legal necessário para que sejam proscritos por terrorismo, assim como a possibilidade de adotar novos poderes civis contra os extremistas que queiram radicalizar outras pessoas”. No artigo, ela também lembra suas constante tentativas, até agora fracassadas, de dar mais poderes aos serviços de segurança para controlar as comunicações dos cidadãos sem permissão judicial.

As propostas de May foram interpretadas como uma tentativa de aplicar em casos de terrorismo as chamadas Ordens para Comportamento Antissocial (ASBOs, na sigla em inglês), com as quais o Governo trabalhista de Tony Blair tentou combater o vandalismo e que a atual coalizão vem trabalhando para substituir com outro mecanismo desde que chegou ao poder.

Essas ordens seriam aplicadas contra aqueles suspeitos de incentivar comportamentos radicais. Elas não são suficientes para levar um suspeito à prisão, mas seu descumprimento pode levar a multas e a penas de prisão.

Talvez por que a origem dessas populações muçulmanas seja diferente. Ou talvez seja uma questão de integração? “Não me atreveria a dizer se a Alemanha tem ou não um problema de integração ou de etnocentrismo. Não me surpreenderia que houvesse agora mesmo alemães no Iraque ou na Síria, mas não sei”, responde Palombi com prudência. “Mas não acredito que o problema seja que o Governo britânico não esteja integrando essas pessoas na sociedade. É bem mais uma questão de acesso a pessoas que utilizam a religião para recrutar as outras.” "Temos que estudar o que atrai essas pessoas, o que se passa neste país com o programa de desradicalização e o que mais o Governo pode fazer para evitar que as pessoas se sintam atraídas por esse tipo de propaganda”, acrescenta Palombi.

Pauline Neville-Jones, ex-responsável pela luta antiterrorista no Reino Unido, destacou o uso das redes sociais pelos jihadistas e acredita que o Governo terá de recorrer a essas mesmas redes “para enviar contra-mensagens”. “O Governo não pode fazer isso diretamente. Mas pode financiar aqueles que de fato possam”, disse.

Uma equipe de pesquisadores do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização e da Violência Política, do King’s College, de Londres, criou uma base de dados com os perfis na mídia social de 190 jihadistas europeus e ocidentais. Mais de dois terços estão filiados à Frente Nusra ou ao Estado Islâmico.

Os pesquisadores se surpreenderam com o alto número de jihadistas europeus e ocidentais que utilizam ativamente as redes sociais como fonte de documentação e de inspiração, e como plataforma para relatar suas experiências. “Para eles, as redes sociais não são meramente virtuais: elas se tornaram parte essencial do que está ocorrendo na linha de frente”.

Uma grande parte desses combatentes não recolhe informações através de fontes oficiais da jihad, mas sim dos chamados “disseminadores”, pessoas sem afiliação oficial, mas com profunda simpatia pela causa. Por isso, “a capacidade dos grupos jihadistas de controlar a informação se deteriorou, enquanto indivíduos particulares têm agora uma influência significativa no conflito”.

Paralelamente, surgiram novas figuras com grande influência sobre os combatentes estrangeiros na Síria que, apesar de não haver provas de estarem diretamente envolvidos no conflito ou de coordenarem ações com os jihadistas, exercem o papel de incentivadores da causa. Pessoas como Ahmad Jibril, clérigo norte-americano de origem árabe, e Musa Cerantonio, um australiano de 29 anos que deixou de ser católico e se converteu ao islamismo aos 17 anos, após uma visita à Capela Sistina.

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