_
_
_
_
_

A cara “boliburguesa” de Miami

A oligarquia que floresceu à sombra do chavismo conserva o gosto de investir sua rápida riqueza em Miami

Maduro, com acionistas de Globovisión, que possuem propriedades em Miami.
Maduro, com acionistas de Globovisión, que possuem propriedades em Miami.

Na noite da sexta-feira, 18 de julho, Benny Palmeri-Bacchi saía para passar umas férias no maravilhoso mundo da Disney em Orlando, quando foi preso por agentes da agência antidrogas DEA no aeroporto internacional de Miami e levado até um tribunal federal por delitos de tráfico de cocaína, obstrução da justiça, lavagem de dinheiro e extorsão. Palmeri-Bacchi é advogado, era juiz na Venezuela e está acusado de impedir a deportação de um dos narcotraficantes colombianos mais buscados entre 2009 e 2010, com ajuda do então chefe do Escritório da Interpol em Caracas. Palmeri tinha se dedicado ao negócio dos alimentos nestes últimos anos: era diretor da Câmara de empresários venezuelanos do Mercosul e proprietário de meia dúzia de empresas no sul da Flórida e na Venezuela. Já era o que os venezuelanos dos dois lados do mar chamam de um boliburguês: um membro da nova oligarquia que floresceu à sombra do chavismo e que, assim como as anteriores, conserva o gosto de investir em Miami sua repentina - e com frequência ganhada por meios escusos - riqueza.

A origem destas novas fortunas venezuelanas é diversa: pode vir do narcotráfico e da lavagem de dinheiro, como suspeitam as autoridades federais no caso do ex-juiz Palmeir, ou da corrupção que cresce sob o abrigo da bonança petroleira - em especial, dos contratos com o Estado e do controle de câmbio estabelecido em 2003 justamente para evitar a fuga de capitais. O ex-ministro de Finanças, Jorge Giordani, admitiu em janeiro que só entre 2012 e 2013 o Estado entregou 20 bilhões de dólares (45 bilhões de reais) para importações, a preços preferenciais, a empresas de fachada. Parte desse dinheiro terminou na Flórida e contribuiu para a recuperação do mercado imobiliário local, golpeado pela crise econômica de 2011.

Esta grande injeção de capital venezuelano chegou em ondas. As mais altas e recentes foram a dos ex-banqueiros próximos ao Governo que caíram nas intervenções de entidades bancárias e corretoras de 2009; as dos jovens empresários da antiga oligarquia de Caracas favorecida pelo poder, conhecidos como os bolichicos, entre 2009 e 2013; as de militares e funcionários médios que correram para guardar “suas poupanças” quando o presidente Hugo Chávez ficou doente de câncer em 2011; e o de altos cargos que caíram em desgraça, que fizeram pactos com a Justiça dos Estados Unidos em troca de informação sobre os negócios nebulosos do chavismo. Outros ainda continuam conectados com o governo do presidente Nicolás Maduro e compram, investem e tiram férias na Flórida; e alguns legisladores do estado norte-americano acham que Washington deve sancioná-los com firmeza, tanto por suas fraudes quanto pela responsabilidade nas denúncias de violação aos direitos humanos na Venezuela.

Estes violadores de direitos humanos têm seus investimentos nos Estados Unidos”, diz um senador republicano Estes violadores de direitos humanos têm seus investimentos nos Estados Unidos", diz um senador republicano

“Estes violadores de direitos humanos têm seus investimentos nos Estados Unidos. Quando roubam dinheiro na Venezuela, é frequente usarem empresas de fachada e testas-de-ferro para investir esse dinheiro na nossa economia, sobretudo na Flórida. Não há nenhum motivo no mundo pelo qual não deveríamos ir atrás destas pessoas pelo que fizeram”, disse em junho passado o senador republicano pela Flórida, Marco Rubio, quando o Congresso discutiu sem resultados a moção de aprovar sanções contra estes funcionários. O grosso dos democratas resistia a esta medida até 30 de julho, quando o governo de Barack Obama anunciou unilateralmente que revogaria e negaria vistos a um grupo de venezuelanos com altos cargos, considerados “responsáveis ou cúmplices” da repressão aos protestos contra o presidente Nicolás Maduro, que começaram em fevereiro e onde morreram mais de 40 pessoas e milhares foram detidas. Washington não revelou nem os nomes nem o número de funcionários afetados pela medida, mas sabe-se que há entre eles “de ministros a assessores presidenciais e funcionários judiciais, além de militares e agentes da lei”.

A mudança de opinião do Departamento de Estado ocorreu depois que as autoridades holandesas liberaram o ex-chefe dos serviços de inteligência militar da Venezuela, Hugo Carvajal, acusado de delitos de narcotráfico e com pedido de extradição dos Estados Unidos. Carvajal foi detido na ilha caribenha de Aruba no dia 24 de julho, mesmo dia em que o ex-juiz Palmeri-Bacchi teve sua primeira audiência na corte federal do Distrito Sul da Flórida. Hugo Carvajal foi liberado 72 horas depois sob a alegação de que gozava de imunidade diplomática, e foi recebido pelo Governo de Caracas como um herói que tinha conseguido escapar de uma armadilha do “império”.

Durante as primeiras horas da prisão, o chavismo temia que Carvajal chegasse a um acordo com as autoridades norte-americanas como outros já fizeram no passado. Em abril de 2012, o ex-magistrado do Tribunal Supremo de Justiça venezuelana, o coronel aposentado Eladio Aponte Aponte, fugiu da Venezuela para a Costa Rica e chegou aos Estados Unidos em um voo da agência antidrogas DEA, onde tornou pública toda classe de acusações que envolviam altos cargos do Governo com o tráfico de drogas e a manipulação do Poder Judicial com fins políticos. Também o ex-tenente Alejandro Andrade - desde 1998, secretário privado de Chávez, vice-ministro, presidente de fundos de desenvolvimento, tesoureiro da nação e presidente do banco estatal de desenvolvimento, Bandes - parece ter chegado a um acordo com Washington depois que o Departamento de Estado revogou seu visto em 2013 por sua participação em um esquema milionário de subornos.

Cavalos puro sangue

“Andrade iniciou conversas sobre um possível acordo de cooperação com o governo norte-americano no final do verão de 2013 (...) O fato de que as negociações tenham sido frutíferas foi demonstrado por sua presença durante as competições de salto em Wellington em fevereiro e março de 2014”, escreve o jornalista venezuelano vivendo em Miami, Casto Ocando, em seu livro “Chavistas en el Imperio: secretos, tácticas y escándalos de la revolución bolivariana en Estados Unidos” (Factual, 2014). Junto com suas atividades na Venezuela, Alejandro Andrade se tornou proprietário da escola de equitação Hollow Creek Farms, na Carolina do Norte e divide o conhecido gosto do chavismo pelos cavalos puro sangue.

O banqueiro Arné Chácón - ex-tenente de fragata e irmão do atual ministro de Energia Elétrica, Jesse Chacón - também teve um estábulo chamado Gadu Racing Stable Corp. a meia hora de Miami. Comprou uns meses antes de que o presidente Hugo Chávez ordenasse sua detenção por fraude contra a nação, em novembro de 2009 e o vendeu antes de sair em liberdade condicional, em dezembro de 2012. Em seu lugar funciona agora Rontos Stable Corp.: outro estábulo, propriedade de Ronald Sánchez, irmão do Superintendente Nacional de Valores de Venezuela, Tomás Sánchez, que conduziu a intervenção de sete entidades financeiras em 2009, entre as quais estava o banco de Arné Chacón.

Em Miami e nas pequenas cidades que a rodeiam se concentra também a maior comunidade de venezuelanos na diáspora, em sua maioria opositores ao chavismo, que tentaram gestos de rechaço contra os gostos milionários daqueles que se identificam como “boliburgueses”. No dia 22 de maio, as autoridades de Miami-Dade aprovaram uma resolução simbólica para declarar como pessoas não gratas os novos donos do canal de notícias venezuelano Globovisión - Raúl Gorrín, Gustavo Perdomo e Juan Domingo Cordero - três dias depois que o jornal El Nuevo Herald publicou uma reportagem sobre as milionárias propriedades que estes possuem em uma das áreas mais luxuosas do sul da Flórida, Cocoplum, na cidade de Coral Gables. “Por se aproveitar hipocritamente dos benefícios de nossa democracia, enquanto ajudam o governo da Venezuela a negar (a seus cidadãos) esses benefícios de direitos humanos, liberdade de expressão e democracia”, dizia o documento original. Mas um dos sócios ameaçou com processar a cidade por manchar sem provas sua reputação e no último minuto, o município decidiu modificar o documento, retirando os nomes dos empresários.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_