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crise financeira em portugal

Portugal resgata o Banco Espírito Santo com os fundos da ‘troika’

Nasce o Novo Banco, com 4,5 bilhões de empréstimos europeus Os acionistas do BES perdem tudo

O ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, e o presidente do Banco de Portugal, Carlos Costa, em fevereiro de 2012.
O ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, e o presidente do Banco de Portugal, Carlos Costa, em fevereiro de 2012.Jose Manuel Ribeiro (REUTERS)

O fundo europeu foi ao resgate do Banco Espírito Santo com uma nova fórmula que divide os ativos da entidade entre dois bancos, o Novo e o ruim, ou seja, o BES. Foram injetados 4,9 bilhões de euros (4,5 do fundo europeu) no Novo Banco, para o qual vão os ativos bons (depósitos, escritórios, funcionários) e do outro lado fica o banco ruim, o Espírito Santo, com ativos tóxicos, segundo anunciou na noite deste domingo o Banco de Portugal. O presidente dessa instituição financeira, Carlos Costa, disse que o BES está em "grave desequilíbrio financeiro" e explicou que as novas medidas foram tomadas depois falar com as autoridades europeias.

É a primeira vez que a Europa utiliza uma fórmula como esta para salvar um banco. Parece que o objetivo é afirmar que o cidadão não vai pagar nenhum euro de seu bolso por causa da quebra de um banco, em detrimento dos acionistas, que perderam tudo. O grande acionista perde tudo, como a família Espírito Santo (21,1% do banco), Crédit Agricole (17%) e Bradesco (cerca de 3%) - isso se não venderam as ações antes -, além de fundos internacionais; mas também perde o pequeno acionista e investidor que comprou uma dívida subordinada e que não conseguiu escapar a tempo. As ações do BES foram excluídas. Embora o Banco de Portugal não pronuncie essa palavra, foi uma nacionalização em grande escala.

O Novo Banco fica com os depósitos, os escritórios e os ativos rentáveis, e o banco ruim com todas as dívidas de difícil recuperação, com os ativos tóxicos em geral. O único acionista do Novo Banco é o Fundo de Resolução, ou seja, aconteceu uma espécie de nacionalização transitória à espera de colocar à venda o novo banco. E a propriedade do banco ruim, com todos seus prejuízos, ficam com os acionistas atuais, com as implicações que isso causa para a confiança do investidor. Se o Novo Banco for vendido, posteriormente, acima de 4,9 bilhões de euros, o valor será destinado ao banco ruim, e os acionistas vão recuperar parte do seu dinheiro, embora essa possibilidade seja muito remota.

O Estado interveio três dias depois de o BES anunciar perdas semestrais de 3,577 bilhões de euros e das ações caírem até 10 centavos, quando a ampliação do capital de junho chegou a 65 centavos.

O Banco de Portugal insiste que a solução não vai prejudicar os contribuintes, como se o dinheiro usado pelo fundo europeu de estabilização não tenha que ser devolvido pelo país, com juros. O supervisor central foi superado durante toda a crise no último mês. Basta lembrar que, ao fim de junho, anunciou que os acionistas elegeriam a nova direção do banco em 31 de julho. Diante do caos criado, retificou a declaração em 13 de julho e anunciou um novo administrador, Vítor Bento, sem esperar a reunião dos acionistas.

O Banco de Portugal também reiterou várias vezes que o BES tinha recursos próprios para enfrentar as dívidas contraídas (pouco mais de um bilhão de euros, segundo a auditoria KPMG); quando ficou claro que não era bem assim, afirmou que havia investidores privados interessados na ampliação do capital. Agora, teve que recorrer a recursos públicos europeus. Em sua própria defesa, o presidente do Banco de Portugal, Carlos Costa, disse à noite que o BES "violou as instruções dadas pelo banco de Portugal, o que piorou a situação do banco e impediu a entrada de capital privado". Segundo Costa, que anunciou medidas criminais e penais contra os antigos administradores (Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires), o prejuízo das ações foi de 1,5 bilhões de euros.

Depósitos, escritórios e funcionários passarão ao banco bom, que já não se chamará Espírito Santo, mas Novo Banco

No fim - como bem sabem os cidadãos espanhóis-, trata-se de limpar o banco com dinheiro público para vendê-lo ao investidor privado - o supervisor quer que seja um português - e com isso saldar o crédito; mas a experiência mostra que sempre se perde dinheiro em um leilão.

Na segunda-feira, o BES já deixará de ser um banco do Espírito Santo pela primeira vez em 144 anos. O substituto Novo Banco passará a ser a propriedade total do Fundo de Resolução do Banco (FRC). Efetivamente, é uma sociedade privada, formada em 2012 pelas entidades financeiras do país, mas tem à disposição um capital de apenas 182 milhões de euros, tão ínfimo que nem chega ao mínimo exigido. Para poder fazer frente às perdas de 3,577 bilhões do BES, o FRC recebeu um empréstimo de 4,5 bilhões do Plano de Estabilização implantado pela troika (FMI, BCE e Comissão Europeia), durante o período de vigilância das finanças portuguesas (2011-2014), e no qual há uma linha de crédito de 6,4 bilhões de euros para bancos em apuros. Os 400 milhões restantes, até chegar ao valor de 4,9 bilhões, serão injetados pelos bancos integrados no FRC.

Ao solicitar o resgate, todos os órgãos administrativos da entidade foram suspensos. E o novo acionista, o Fundo de Resolução do Banco, vai eleger os novos, confirmados pela equipe de Vítor Bento, apontado pelo Banco de Portugal há duas semanas.

Em princípio, o plano é devolver os 4,9 bilhões em seis meses, depois de vender ou leiloar o banco. Não haverá, portanto, ampliação de capital e, pelo menos de bancos privados, não há a intenção de injetar dinheiro privado, como afirmou o presidente central Carlos Costa há uma semana; o que há é o Novo Banco, com os ativos bons do BES. Desde a noite de domingo, o Banco Espírito Santo foi nacionalizado e entrou em período de liquidação. A segunda nacionalização da sua história parece definitiva.

O Banco de Portugal justifica a falta de capital privado  no mau gerenciamento dos anteriores administradores, que podem ser acusados penalmente

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