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BENEDITO BRAGA | PRESIDENTE DO CONSELHO MUNDIAL DA ÁGUA

“Sou contra o racionamento por uma questão técnica e social”

O especialista brasileiro defende a gestão da Sabesp e considera fundamental o papel da população para superar a crise

María Martín
Benedito Braga.
Benedito Braga.Fecomercio

Benedito Braga foi nomeado presidente do Conselho Mundial de Água, com sede em Marselha, em novembro de 2012. Este professor de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de São Paulo (USP)  mantém uma visão menos catastrofista e mais prática a respeito da atual crise hídrica em São Paulo. Braga recebe o EL PAÍS no seu escritório da faculdade e, antes da entrevista começar, um colaborador interrompe com um pedido de colaboração da Sabesp de várias páginas. “Medidas alternativas”, diz a primeira. “A Sabesp está desesperada procurando estudos”, desconversa Braga.

Pergunta. Como o senhor avalia a atual crise hídrica em São Paulo?

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Resposta. É uma situação completamente atípica. Nunca tinha acontecido nada parecido. Pegou de surpresa, porque de novembro a janeiro choveu 10% do que costuma chover. Ninguém imaginaria que isso fosse a acontecer. A seca mais severa foi entre 1953-56, e as chuvas de 2014 foram 30% abaixo das mínimas históricas na região. Há uma situação climática anormal, para a qual nós não temos uma explicação, talvez seja um problema de fato de alterações do clima. Situações semelhantes estão acontecendo na Califórnia e no Texas [nos EUA], na Turquia e em Singapura.

P. E que medidas eles estão tomando?

R. Em outras cidades estão implementando uma redução do consumo. Na Califórnia multas de 500 dólares são cobradas de quem faz um uso inadequado da água, como regar o jardim. A segunda vez que há flagrante, a multa chega a 1.000 dólares e a terceira cortam a água.

P. Que medidas o senhor adotaria?

R. Minha visão é que deveria se usar um sistema puramente econômico. Você estabelece um limite (15 por mês, por dizer um número), e se o consumidor ultrapassar essa quantidade, esse metro cúbico deve custar o triplo e assim progressivamente.

P. O senhor é partidário do racionamento de água?

R. Sou contra. O racionamento de água não é bom do ponto de vista técnico. Quando você inibe a água para um setor da cidade você deixa os dutos que conduzem a água vazios. Isso permite a entrada da água que está no solo e você não tem o controle da qualidade dela. Você corre esse risco de contaminação. As variações de pressão podem afetar a tubulação e aumentar as perdas. Existe também uma questão social. Fazer o racionamento em São Paulo não é como fazê-lo em uma cidade do interior, de 2.000 habitantes. O sistema da Cantareira abastece uma população equivalente ao Rio de Janeiro. Se você deixa dois dias sem correr a água, as pessoas que estão no final do duto, que são as mais pobres, vão ficar vários dias sem água. Não é recomendado o racionamento.

P. Tem se especulado muito sobre a qualidade da água do chamado volume morto e o custo de tratá-la. Há motivos para se preocupar?

R. Não tem o menor problema com essa água. O único são os 60 milhões de reais [80 milhões] que gastaram para comprar as bombas. Mas não tem nada a ver com qualidade da água.

P. O senhor considera a gestão da crise por parte da Sabesp adequada?

R. Dentro da crise na qual estamos, eu acho até que ela está fazendo milagres. Quando alguém vê os dados das últimas precipitações fica chocado. Está faltando água em algumas casas, mas não posso criticar a companhia de saneamento de jeito nenhum.

P. Alguns especialistas criticam a falta de investimento durante anos para ampliar o sistema de abastecimento. O senhor concorda?

R. Não existe sistema adequado para qualquer situação. Em qualquer obra de engenheira você trabalha com risco. E risco zero supõe risco infinito. O sistema foi projetado para resistir a situações observadas no passado. Esta situação foi completamente fora do risco calculado. É evidente que se outras obras já estivessem concluídas, como transposição do rio Juquiá, seria um alívio para o sistema. Entretanto, não seria suficiente para fazer frente à situação climática atual. Dizer que não houve investimento é um exagero. É verdade que se essa obra estivesse pronta os problemas seriam menores, mas teríamos um problema também.

O único projeto que não saiu do papel e sim teria mudado as coisas data de 1972. O Governo estudou uma alternativa de trazer agua do Baixo Juquiá e transpor essa água até São Paulo. Esse projeto previa a possibilidade de trazer 83 por segundo, que é mais do que o consumo atual de São Paulo (70). Se esse sistema, que levaria dez anos para ser implementado, estivesse pronto, aí sim. Mas não com essas obras pequenas das quais falam os especialistas.

P. O paulista é responsável como consumidor?

R. Não acho. Sempre houve água à vontade. A ultima situação complicada foi em 69, quando houve até racionamento. A população não tem uma cultura de economizar água. A água era um recurso abundante. O paulista tem que começar a entender que a água é um recurso preciosíssimo e que tem um papel chave nesta crise. As pessoas sempre buscam culpar alguém e evitam enxergar sua própria responsabilidade. 

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