_
_
_
_
_

A polícia quer reescrever a sua história

Documentário, revista e política são alguns artifícios para melhorar a imagem da instituição

Cena do filme 'A verdadeira história da Rota'.
Cena do filme 'A verdadeira história da Rota'.HDV Studio

Em um país onde cinco pessoas são mortas por dia por policiais, é cada vez mais evidente a luta que as instituições fazem para reescrever suas histórias tentando se aproximar mais da população. Para isso, agem em várias frentes, ainda que indiretamente. Uma delas é por meio de filmes que vangloriam a atuação de um batalhão reconhecidamente violento. A outra é lançando, cada ano mais, um número maior de candidatos a deputados federais e estaduais pelo Brasil.

Mais informações
Polícia brasileira mata cinco pessoas a cada dia
“Bandido que mexe com polícia acaba assim”
“Você está de preto, no lugar errado e com as pessoas erradas”
Bombas de gás e spray nos olhos: é assim que a polícia reage aos protestos

No mês passado, a produtora HDV Studio lançou o documentário A verdadeira história da Rota, no qual conta a história desse grupamento da PM paulista, por meio de depoimentos de policiais e admiradores. “Sabemos que a Rota sempre foi polêmica. Até tivemos dificuldade em obter patrocínios por conta disso. Mas decidimos investir no projeto e dar a versão dos policiais sobre a própria Rota, até porque, o lado dos bandidos todo mundo já ouviu”, diz o cineasta Elias Júnior, diretor do primeiro documentário de uma trilogia que será toda lançada até o próximo ano. Os outros filmes tratarão do julgamento do massacre do Carandiru e dos dias atuais do batalhão mais temido pelos criminosos. “Não é um filme institucional”, sentencia o cineasta.

Antes destes filmes de Elias, já havia outras iniciativas como o um longa-metragem lançado por ele em 2009 (Rota Comando) e o programa Polícia 24h, transmitido pela Band. Em ambos os casos, a maior parte das imagens são captadas por equipes que acompanham os policiais em ocorrências principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, o que não é uma prática comum para quem não é policial. Todas essa obras contrastam com o livro Rota 66 - A história da polícia que mata, de autoria do jornalista Caco Barcellos, lançado no início da década de 1990, em São Paulo.

Na capital paulista, aliás, um ex-comandante da Rota lançou recentemente uma revista em quadrinhos em que ele é um herói. Esse ex-comandante, o coronel Paulo Lucinda Telhada é vereador e candidato a deputado estadual pelo PSDB. Ele já afirmou que pagou os custos da publicação e que sua ideia não era se valorizar. “O que está na revista é o que todos os policiais fazem diariamente para defender a sociedade, não sou melhor que nenhum deles”, afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo.

Reprodução da revista em quadrinhos do coronel Telhada.
Reprodução da revista em quadrinhos do coronel Telhada.

“A figura do policial herói, valente, resolutivo, vai de encontro ao que boa parte da população espera e o Telhada tem um feeling marqueteiro. Ele soube aproveitar da história da polícia em benefício próprio”, diz o coronel José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança Pública e professor em cursos de formação da Polícia Militar paulista. Procurado nesta segunda-feira, Telhada não quis conceder entrevista.

Urnas

No âmbito político, além do vereador, outros 26 policiais concorrerão a cargos políticos em São Paulo, entre eles, ex-comandantes da corporação. No Brasil, o número passa de 350 entre policiais militares, civis e federais. E por que tantos policiais buscam a carreira política?

Para Silva há duas razões. A corporativa: “Os policiais são a categoria mais corporativa que existe e talvez queiram fazer o bem por meio de um cargo eletivo ou para defender sua própria categoria”. E a institucional: “Há muitas entidades que representam os policiais e, quando o policial entra em uma delas, acaba picado pela mosca azul e busca mais poder. Por isso, debandam para a política”.

E a busca pelo voto dos eleitores costuma gerar resultados. Na maioria dos Estados há algum deputado estadual ou federal que um dia já foi policial. Alguns até repetem o velho chavão que arrepia os militantes de direitos humanos, de que bandido bom é bandido morto. “Extraoficialmente parte da população até repete esse discurso. E isso é algo que precisa mudar”, avalia o coronel Silva.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_