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Coluna
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Diga-me com quem andas

Creio ser muito preocupante o Brasil se alinhar a um conjunto de países que têm, por tradição, um perfil autoritário como política interna e uma vocação imperialista como política externa

Antes que me acusem, adianto: nada entendo de relações internacionais, geopolítica ou diplomacia. Portanto, o que se segue são meras opiniões, talvez até mesmo ingênuas, de um cidadão relativamente esclarecido. E inconformado.

Comemoramos todos, sem que qualquer partido da oposição contestasse, a recente reunião da presidenta Dilma Rousseff com os chefes de estado da Rússia, Índia, China e África do Sul, que, junto com o Brasil, formam o chamado BRICS, sigla que, diga-se de passagem, foi inventada por um funcionário do grupo financeiro transnacional Goldmann Sachs, Jim O’Neill.

O encontro serviu para que os países fortalecessem seus laços econômicos, com a criação de um banco de desenvolvimento comum, cujo capital inicial eleva-se a 50 bilhões de dólares, e, evidentemente, para estabelecer um pacto político que se contrapõe aos Estados Unidos e Europa.

Do ponto de vista estratégico, poderia ser um sintoma de inteligência diplomática. O Brasil, para não continuar refém dos humores de norte-americanos e europeus, acena com uma aliança com seus potenciais inimigos, Rússia e China à frente, para promover um equilíbrio de forças, tornando-se um fiel da balança entre dois mundos que defendem interesses econômicos e políticos bastante divergentes.

Aceitando esse ponto de vista, trata-se de uma jogada ousada e digna de aplausos: ganha o Brasil. Tão irrepreensível é esse movimento, que o acordo teria sido assinado fosse Dilma presidente da República ou não – por isso, não ouvimos levantar nenhuma voz contrária.

A questão que passo a abordar, no entanto, é ética, e, por ser nobre, talvez pareça risível. Creio ser muito preocupante o Brasil se alinhar a um conjunto de países que têm, por tradição, um perfil autoritário como política interna e uma vocação imperialista como política externa. Todos eles, Rússia, Índia, China e África do Sul, uns mais, outros menos, navegam em águas turvas, pouco recomendáveis para nações que se querem democráticas e transparentes.

A Rússia ocupa o 154º lugar no ranking dos mais corruptos do mundo, entre 178 países pesquisados, segundo dados da Transparência Internacional. Só para termos uma comparação, o Brasil está na 69ª posição... Além disso, os russos não possuem nenhuma tradição democrática: a um Império que cultivou o sistema de servidão até 1861, sucedeu o regime soviético, de partido único e campos de concentração. O atual presidente, Vladimir Putin, ex-chefe da temida polícia secreta, a KGB, é conhecido por seu perfil autoritário e pela pregação de um nacionalismo beligerante contra as repúblicas vizinhas. Ele administra o quinto maior orçamento militar do mundo.

Não é muito diferente a China. Se em termos de corrupção não se afasta tanto do Brasil (é a 78ª colocada no ranking), em termos políticos isola-se até mesmo da Rússia, pois, na prática, trata-se de uma ditadura nos moldes clássicos: partido único, repressão dos opositores, censura à liberdade de opinião – e perseguição a minoras étnicas (uigures e tibetanos, principalmente). O país hoje é também conhecido pelo desdém aos direitos humanos e trabalhistas (interna e externamente) e pelo desprezo ao meio-ambiente.

Sua política comercial agressiva, que a alavancou para a segunda maior economia do planeta, baseia-se, entre outras coisas, na venda de produtos de baixa qualidade a preços sem competição. Junto com a Rússia (e os Estados Unidos, França e Reino Unido) faz parte do clube das nações detentoras da bomba atômica que assinaram o Tratado de Não Proliferação Nuclear. Possui o maior exército do mundo e o segundo maior orçamento militar.

Nominalmente conhecida como a maior democracia do mundo – possui cerca de 1,2 bilhão de habitantes –, a Índia é um dos países mais complexos do planeta. Com 70% da população vivendo em áreas rurais, o índice de analfabetismo chega a 37%, e, sendo a décima maior economia, sua renda per capita é de 3.900 dólares (contra cerca de 10 mil dólares do Brasil). O país possui ainda a maior concentração de pessoas pobres (há famílias que moram nas ruas há gerações) – segundo o Banco Mundial, 42% do total da população sobrevivem com menos de um dólar por dia.

A Índia ocupa o 87º lugar no ranking da corrupção e, embora possua um arsenal de bombas atômicas, se recusa a assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, assim como seu maior inimigo, o Paquistão. Os gastos militares do país chegam a 46 bilhões de dólares, o décimo maior orçamento militar do planeta.

Já a África do Sul, segundo a Transparência Internacional, ocupa o 54º lugar no ranking dos mais corruptos do mundo. Com graves problemas econômicos – o desemprego atinge um em cada quatro adultos –, a violência campeia: o país tem a maior taxa de homicídios do mundo (cinco vezes maior que a do segundo lugar, o Brasil) e segundo maior índice de estupros de mulheres – uma em cada três admite ter sofrido violência sexual – e o primeiro em estupro de bebês e crianças. A AIDS infecta 31% das mulheres grávidas e um em cada cinco adultos sul-africanos, homens e mulheres, tem a doença. O atual presidente, Jacob Zuma, é suspeito de estelionato, corrupção e... Estupro.

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