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Um caso de corrupção na saúde complica o partido de Mujica no Uruguai

A investigação de um complô para o desvio de verbas em hospitais mancha a governista Frente Ampla, que em outubro enfrenta eleição presidencial com Tabaré Vázquez como candidato

José Mujica, presidente do Uruguai.
José Mujica, presidente do Uruguai.Andrés Cristaldo (EFE)

A saúde pública uruguaia, cuja melhora é uma das principais conquistas da governista Frente Ampla, está mergulhada em um escândalo depois do processo de que foi alvo um de seus diretores, o sindicalista Alfredo Silva. As revelações sobre o complô de corrupção em vários hospitais públicos mancham a imagem da Frente Ampla, faltando pouco para as eleições presidenciais de outubro.

Segundo os primeiros elementos da investigação judicial, Silva e seus cúmplices utilizaram a influência de seus cargos, durante vários anos, para terceirizar serviços, empregando uma empresa que controlavam e causando importantes custos excessivos aos hospitais. Os testemunhos mostram que eles também cobravam propinas para ativar ou desativar conflitos trabalhistas, aproveitando sua condição de sindicalistas.

O epicentro do caso está no Hospital Maciel de Montevidéu, centro médico que não precisava de novos escândalos, depois de virar notícia mundial em 2012 com a descoberta de que vários enfermeiros tinham assassinado pacientes idosos ao longo de pelo menos sete anos. Enquanto esse caso continua nos tribunais, agora a justiça volta a sua atenção aos gastos desproporcionais com a limpeza e outras irregularidades que, juntas, somam um desvio de cerca de 75 mil dólares (165 mil reais), segundo as primeiras informações. O valor pode parecer baixo, mas sua dimensão é enorme no contexto da saúde pública uruguaia, que atende aos setores mais pobres da população e recebeu grandes investimentos do Governo.

Situado na Cidade Velha de Montevidéu, o hospital Maciel foi construído no século XIX e costuma tratar de doentes graves, em sua maioria idosos. Localizado na zona humilde da capital, recebe muitos pacientes vindos de outras regiões do país.

 A justiça volta sua atenção aos gastos desproporcionais com a limpeza e outras irregularidades, que somam um desvio de 165 mil reais.

Com a detenção, o interrogatório e o julgamento de Alfredo Silva e outras nove pessoas, cercados de atenção da mídia, explodiu uma bomba-relógio que o Governo não soube desativar a tempo. Há vários anos já eram do conhecimento público os excessos do sindicalista do PIT-CNT, nomeado diretor da saúde pública como representante dos trabalhadores, um cargo previsto na legislação uruguaia.

A Junta Anticorrupção, dependente do Poder Executivo, tinha alertado sobre as irregularidades em 2012, e não faltavam denúncias e testemunhos acusadores. Mas a Frente Ampla, no poder, preferiu olhar para o outro lado, mantendo até o limite da legalidade uma aliança polêmica com os setores sindicais. Agora o PIT-CNT retirou seu apoio a Silva e condenou sua atuação, mas uma de suas federações, a que reúne os funcionários públicos, manteve seu apoio ao dirigente. A central única uruguaia se divide há anos entre a defesa dos trabalhadores e o corporativismo, especialmente forte no funcionalismo público.

A conta pode ser paga pela Frente Ampla nas eleições presidenciais de outubro, especialmente por seu candidato, o oncologista Tabaré Vásquez, que, como primeiro presidente uruguaio de esquerda, em 2007 consolidou a seguridade social hoje existente no país.

Vázquez reagiu, prontamente, afirmando que “pode haver corrupção em qualquer Governo. Em um governo da Frente Ampla, podemos errar.”

Mas desta vez sua célebre frase “podemos meter la pata, pero no la mano en la lata” (podemos errar, mas não roubar) talvez não baste em um país onde os casos de corrupção são excepcionais e a sociedade não os tolera bem. As sondagens mais recentes continuam a apontar para a esquerda como favorita nas eleições presidenciais de outubro, mas também indicam uma erosão do voto progressista. Tabaré Vázquez tem pela frente uma campanha eleitoral cada vez mais difícil.

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