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RENOVAÇÃO NO SOCIALISMO ESPANHOL

Um sedutor na cúpula socialista

Sánchez, vencedor das primárias do PSOE, domina o marketing político Dorme na casa de militantes e percorre a Espanha buscando convencer que não é um burocrata

Daniel Verdú
O candidato à Secretaria Geral do PSOE, Pedro Sánchez.
O candidato à Secretaria Geral do PSOE, Pedro Sánchez.Gianluca Battista

Pedro Sánchez está na ducha. Acaba de se levantar na casa de Alicia, uma simpatizante do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). Outro amanhecer em uma cama diferente. Desta vez, em Viladecans, ao sul de Barcelona. Um dos últimos feudos socialistas. O ruído do moedor de café substitui o da água do banho, e após alguns minutos ele aparece na sala, de cabelo molhado, jeans e camisa xadrez. Um sujeito de 1,90 m, 42 anos e aspecto de galã. Ajuda a pôr a mesa para o café da manhã no terraço. Pratos, copos, pão… São 7h15 da quarta-feira, 9 de julho. Faltam sete minutos para que a casa de Alicia se encha dos colaboradores e colegas da equipe que se organizou em torno dele para vencer as eleições internas para o cargo de secretário-geral do PSOE, na votação realizada neste domingo. Àquela altura, faltavam três dias de campanha, e o EL PAÍS passaria com ele as extenuantes 17 horas seguintes, ao longo de cinco municípios e cerca de 360 quilômetros de estrada.

Toca o interfone e o apartamento se transforma no camarote dos Irmãos Marx. Jornais, pães-doces, o 7 x 1 da Copa e começar a preparar as próximas entrevistas aos meios de comunicação catalães. Toma café e come um croissant e fruta. Alicia quer lhe fazer uma pergunta, mas não tem tempo de ouvir a resposta. A partir daí não largarão dele uma jovem assessora de comunicação, sua chefe de campanha e três membros da plataforma de apoio na Catalunha, incluindo o seu criador, Carles Ruiz, prefeito de Viladecans.

Sánchez lê notícias com a sua assessora de comunicação.
Sánchez lê notícias com a sua assessora de comunicação.Gianluca Battista

A caminho do canal público TV3, como acontece ao longo do dia inteiro, ele viaja a bordo de uma perua, escoltado pelo Ibiza levemente tunado da deputada nacional Isabel López Chamosa – o Chamóvel, como é chamado em tom de brincadeira na equipe. Chamosa é colega de bancada de Sánchez no Congresso e colaboradora nessa aventura. Todos trabalham grátis. Também a pessoa que comanda o seu Twitter a partir de algum lugar remoto. Acreditam nele, claro. Mas, como no resto de candidaturas, os militantes fazem suas apostas profissionais para o dia seguinte à eleição primária. Também é preciso comer.

Às 8h30, o candidato espera num estúdio da TV3 a sua vez de ser entrevistado. Aparecerá depois da informação do trânsito. Dá uma piscadela para quem o acompanha do lado de fora. Três, dois, um... É a vez dele. E zás, as perguntas são em catalão. Ele já sabia. Verônica, sua assessora, curtida em campanhas de jovens políticos como as dos centro-esquerdistas Albert Rivera e Jaume Collboni, sorri: “Nós, catalães, gostamos que nos entendam, né?”. O discurso está feito. Aí pela primeira vez aparecerão temas que se repetirão o dia inteiro. Sobre o referendo independentista catalão: “A consulta só pode ser legal depois de uma reforma da Constituição”, responde Sánchez. “O europeísmo não consiste em separar-se da Espanha, que é a Europa.” E uma pergunta-pegadinha: “O que o incomoda mais: a etiqueta de pertencer ao aparelho partidário ou a de ser bonito?”.

Pedro Sánchez tem aura de ganhador. Sabe se movimentar e seduzir, sempre sai bem nas fotos, lembra-se dos nomes de todo mundo – e também de alguma história com todos –, não se cansa de sorrir, tem paciência e resistência, e as senhoras se matam para beijá-lo (termina os comícios com as bochechas manchadas de carmim). Esse é um de seus inegáveis talentos. Mas também sua debilidade. Sabe que quando alguns dizem que é bonito – e acontece desde a época em que era vereador em Madri, quando já se intuía que poderia liderar algum projeto, mas não tão rápido –, muitas vezes não é como adulação, e sim querendo assinalar que é a cara bonita da estrutura, uma invenção pré-fabricada. É alvo de preconceitos, para o bem e para o mal. Por isso sabe que a história de ser “bonito”, segundo alguns, tem afinal muito a ver com a suspeita de ser parte do “aparelho”.

Pedro Sánchez durante uma entrevista no programa catalão ‘Els Matins’.
Pedro Sánchez durante uma entrevista no programa catalão ‘Els Matins’.Gianluca Battista

Ele se rebela e diz repetidamente que é “o candidato da estrada” – garante ter percorrido 45 mil quilômetros nos últimos sete meses. Evoca a época em que era um mero filiado sem envolvimento político, e diz que, antes do seu périplo atual, desconhecia como o partido era realmente. Tudo o que soe a estrutura ou a poder estabelecido o condenará, e ele tem dificuldades de convencer o público a respeito disso. Mas é torcedor do Estudiantes no basquete – jogou no time – e do Atlético no futebol, assim reivindica a quintessência das lições do técnico Simeone: “Partida a partida”.

Depois da entrevista na TV3, a caravana sai em direção a Malgrat de Mar. É difícil acompanhar a minivan do candidato, mas Isabel acelera. “Fazia anos que eu não pisava tão fundo assim”, admite. Vamos tarde. Começa a chover. Se vier uma multa, ela paga. Aqui é cada um por si, embora, para os gastos gerais, recorram ao crowdfunding que montaram para financiar a campanha. A colega de bancada diz que Sánchez tem um talento natural para empatizar com as pessoas, falar com elas, se deixar tocar… “Os outros dois [adversários] não são assim”.

Na localidade catalã de Malgrat de Mar, Sánchez conversa com Juanma, seu colaborador mais próximo durante a campanha.
Na localidade catalã de Malgrat de Mar, Sánchez conversa com Juanma, seu colaborador mais próximo durante a campanha.Gianluca Battista

É fácil comprovar isso. Com o passar do dia, o candidato fará, por baixo, 1.000 fotos com militantes. Malgrat de Mar, na comarca do Maresme, é o seu primeiro compromisso. Aí se põe a retocar o discurso que ouviremos mais quatro vezes hoje. Um discurso muito estruturado, que foi evoluindo desde que começou esta corrida – “No começo, eu precisava me apresentar. Agora já posso fazer propostas”, observa – e vai improvisando algumas passagens em função de detalhes que colhe pelo caminho.

Em Malgrat, por exemplo, aproveita o cartaz de Felipe González (um de seus ídolos) que tem ao seu lado para recordar seu começo e a militância de seus avós; ou a piada que acabam de lhe contar na entrevista de rádio a respeito dos interesses do premiê Mariano Rajoy, sempre limitados ao futebol e impermeáveis ao que é importante. Às vezes dramatiza muito a mise-en-scène. Pode soar um tanto canastrão. E mais ainda quando o dia avança e o cansaço aparece. Mas em geral funciona bem. Está muito trabalhado, nisso ninguém ganha dele. Na hora das perguntas, dirige-se a cada militante por seu nome, que previamente anotou em um papel. E nesses momentos é difícil não empatizar com um processo que aproxima a política das bases. Quando termina, deve reservar 20 minutos para fazer fotos. No mínimo.

No trajeto até Mollet del Vallés, subimos na minivan com ele. Sánchez conta que é filho de uma família trabalhadora e neto de um casal de migrantes a quem acompanhava para aprender a ler e escrever em cursos noturnos, quando viviam em Aluche. Não entende o fato de ser associado à burocracia partidária, embora sempre tenha estado na órbita dos dirigentes Pepe Branco e Óscar López. Rechaça que seja uma marionete de Susana Díaz, como insinuam seus rivais nesta corrida para justificar o elevado número de apoios que obteve na Andaluzia. A decisão foi dela, afirma. “Já me disseram de tudo. Mas sou uma pessoa feita por mim mesma, trabalhei para isso. Eu estava na quarta fila.” E então por que não esclarece de uma vez se cogita se candidatar às primárias para ser candidato a presidente do Governo? “Por respeito a esse processo em que estamos agora. Mas eu não compartilho da teoria de Taipas. Quando digo que quero mudar o PSOE é para mudar a Espanha. Líquido e certo”, diz. E isso mesmo repetirá em um comício vespertino. Portanto, caso encerrado. Será candidato.

Em seguida, toca o celular. É Begoña, sua esposa. Está em Lisboa trabalhando. Suas duas filhas – Ainhoa e Carlota, frisará em seus discursos, vão à escola pública – ficaram com os avós paternos. Em casa, todos o encorajaram a se candidatar. Sempre foram assim, como quando seu irmão decidiu ir estudar composição e regência em São Petersburgo – de início ficaram gelados. Seus pais, socialistas a vida inteira, só lhe pediram para pensar bem. A mesma coisa que lhe disseram quando quis se filiar ao PSOE, em 1993, aos 21 anos, quando as coisas pareciam ruins.

Após o comício de Mollet, no qual promete que o seu Executivo prestará contas anualmente, que rejuvenescerá o partido e repete o sonoro recurso de pedir aplausos para os novos militantes, rumamos para Tarragona. São 114 quilômetros. Ideal para tirar um cochilo no Chamóvel. Ou para devorar um prato de macarrão numa área de serviço, em seu caso, enquanto responde às mensagens que jorram de seu telefone. Tanto lá como no comício de Tarragona, patrocinado pelo prefeito local, Josep Félix Ballesteros, a única concessão à passagem do tempo e ao cansaço é um botão desabotoado na camisa. Às pressas, voltam a colocá-lo na minivan para voltar pelo mesmo caminho que acabamos de percorrer.

Juanma, militante e funcionário da Federação Espanhola de Municípios, é uma espécie de chefe de campanha. Afirma ser apenas mais um colaborador, mas é o único que viaja com candidato por toda parte. Um dos primeiros a saber, em novembro de 2012, das intenções de Pedro ao tomar um café no Círculo de Belas Artes, quando o encorajou a ir até o fim, conforme conta na van no regresso ao comício final, na sede do Partido Socialista da Catalunha, na rua Nicarágua, em Barcelona. É rápido, calado e vê-se que gosta do xadrez político. Acaba de sair no Twitter que o rival interno Eduardo Madina disse aprovar a absolvição dos acusados de sitiarem o Parlamento regional da Catalunha. Juanma, Verónica e Sánchez veem um filão aí. O PSOE tem mais de 20.000 vereadores na Espanha, 2.000 prefeitos, deputados... E não se pode tolerar agressões a políticos, dizem. Os militantes não vão gostar do escorregão de Madina. Verónica dá um telefonema. Quando saímos do carro – cerca de 100 metros da porta, para que os jornalistas o vejam chegar a pé – será a primeira coisa que vão lhe perguntar. Dez pontos.

O comício na rua Nicarágua, organizado pela gestora que administra o declínio do PSC, é um banho de massas. Não cabe uma mosca. Como se já fosse ele o secretário-geral. Sobe ao palanque e levanta o punho, seu emblema de campanha. A música do PSOE toca repetidamente e, no final, ouve-se Febrero, canção da banda indie La Habitación Roja – uma de suas favoritas. Ele começa a dar sinais de cansaço. São 21h30 e estamos há 14 horas na correria. Mas ainda tem um jantar privado, no qual o EL PAÍS não está autorizado a acompanhá-lo, nem saberá o nome do anfitrião. Um empresário? Um líder político? Não revela, limita-se a dizer que é uma mulher. E, claro, não deve se interessar por futebol, porque é bem na hora do jogo Argentina x Holanda pela Copa do Mundo.

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