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O dinheiro de Kadafi assombra Sarkozy

Ex-colaboradores do ditador líbio detalham para a justiça pagamentos de R$ 150 milhões ao ex-presidente francês para financiar sua campanha eleitoral de 2007

Javier Casqueiro
Sarkozy e Kadafi escutam o hino francês em Trípoli durante uma visita do primeiro à Líbia em 2007.
Sarkozy e Kadafi escutam o hino francês em Trípoli durante uma visita do primeiro à Líbia em 2007.MICHEL EULER (ap)

Uma trilha obscura de dinheiro líbio e acusações. É isso que o ex-presidente Nicolás Sarkozy enfrenta depois de ser acusado de financiar sua campanha à presidência da França, em 2007, ilegalmente com R$ 150 milhões procedentes do regime de Muamar al Kadafi. Sarkozy rechaça as acusações, "grotescas e ridículas", mas os testemunhos contra ele se acumulam surpreendentemente. Saem das bocas de jornalistas e políticos, da época do todo poderoso ditador, mas também do posterior e débil Conselho Nacional de Transição da Líbia. E até de um embaixador francês.

Naquela campanha presidencial, o partido liderado por Sarkozy declarou oficialmente um gasto de R$ 60 milhões. O juiz investiga, e acredita ter encontrado algumas evidências, se o candidato conservador recebeu R$ 150 milhões da Líbia. E há quem diga que recebeu pagamentos líbios até 2009.

Tudo começou com uma investigação jornalística iniciada em julho de 2011 no diário digital Mediapart, pelos jornalistas Fabrice Arfi e Karl Laske. Em março e abril de 2012, eles publicaram reportagens baseadas em um documento fornecido por ex-dirigentes líbios na clandestinidade, escritos em árabe e datados em dezembro de 2006, nos quais o serviço secreto do país afirmava que existia um "princípio de acordo" para ajudar Sarkozy na sua corrida para o Palácio do Eliseu. O dossiê carregava a assinatura de Musa Kusa, que ficou 15 anos à frente dos serviços de inteligência líbios e era considerado o cérebro dos atentados em Lockerbie (Escócia), em 1988, e contra um avião francês em Níger, em 1989.

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Sarkozy ficou furioso, apresentou uma queixa contra o meio de comunicação e os jornalistas, e os socialistas aproveitaram o escândalo. O memorando confidencial chama-se "Condições de financiamento de campanha" de "NS" (supostamente Nicolás Sarkozy) e nele estão os detalhes de uma reunião realizada em outubro de 2005, com a presença do diretor dos serviços secretos líbios, Abdalá Sausi, o presidente dos Fundos Líbios de Investimentos Africanos, Bachir Saleh, e da parte francesa, dois personagens chaves da equipe de Sarkozy: Briche Hortefeux (BH, nos papéis) e Ziad Takieddine. Também continham anotações sobre empresas de "BH" no Panamá e de um banco suíço.

Hortefeux foi ministro do Interior com Sarkozy e sempre negou ter estado nesta reunião. Takieddine é um homem de negócios mais sombrio e o verdadeiro responsável por introduzir Sarkozy à Líbia. O político francês manteve durante um tempo, como muitos outros dirigentes europeus e africanos, uma posição ambígua a respeito de Kadafi. Visitava o país, participava de suas festas, mas, em seguida, durante a operação da OTAN para derrubá-lo em outono de 2011, foi um ativista firme, como ele próprio e seus colaboradores fizeram questão de lembrar agora para confrontar essa nova situação.

Bachir Saleh, que também exercia o cargo tenebroso de chefe de gabinete e tesoureiro do líder líbio, havia supervisionado os pagamentos. Em 2011, depois do fim dos 42 anos de ditadura militar, e apesar de ser procurado pela Interpol, ele encontrou refúgio justamente na França.

Uma das armadilhas enfrentadas por Sarkozy neste momento é a quantidade e a qualidade de muitos testemunhos contra ele. Alguns procedem do círculo de vestidos e penteados extravagantes do ex-coronel. Por exemplo, de seu filho preferido, Saif el Islam, finalmente levado à Justiça, que contou em entrevista à Euronews, em março de 2011, que tinha à disposição todo tipo de dados, contas bancárias e detalhes dessa doação ao político francês e a outros dirigentes. Ameaçou puxar o cobertor, mas nunca o fez. Foi preso depois da derrota do seu pai e não forneceu nada confiável.

Foi especialmente chamativa a afirmação confirmando essas contribuições do primeiro chefe de estado da Líbia depois da derrocada de Kadafi. Mohamed el Megarief, que exerceu o cargo entre agosto de 2012 e maio de 2013, publicou essa acusação no livro Minha luta pela liberdade. "Sim, Kadafi financiou a campanha de Sarkozy, em 2007, e continuou financiando-o, porque há um pagamento final em 2009".

Na investigação judicial aberta pelos juízes Emmanuelle Legrand e René Cros, consta a declaração do embaixador francês François Gouyette, destacado para a Líbia entre janeiro de 2008 e fevereiro de 2011, que ratificou que uma de suas fontes de informação no país verificou essa mesma acusação contra Sarkozy. Gouyette agora é embaixador da França na Tunísia.

Kadafi foi morto e sua equipe se desmantelou. Muitos de seus colaboradores e altos oficiais estão presos. Da prisão na Tunísia, Baghdadi Ali al-Mahmoudi, ex-ministro do coronel, confirmou a doação a Sarkozy em uma declaração através de seu advogado, Bechi Essid. Em junho de 2013, Moftah Missouri, intérprete pessoal, diplomata com status de embaixador e ex-ministro daquele que chegou a se proclamar rei dos reis na África, certificou que o documento secreto assinado pelo super-espíão Kusa, que pode sepultar para sempre a ressurreição do político francês, era legítimo.

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