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A Argentina inicia uma contagem regressiva para não dar calote

O Governo é obrigado a ressarcir os "fundos abutres" antes de abonar os credores

Francisco Peregil
Axel Kicillof, ministro de Economia argentino.
Axel Kicillof, ministro de Economia argentino.Diego Levy (Bloomberg)

Começa a contagem regressiva. Hoje, segunda-feira, 30 de junho de 2014, o governo da Argentina deveria ter pago 539 milhões de dólares (1,18 bilhões de reais) através do Banco de New York Mellon aos credores que em 2005 e 2010 aceitaram importantes reduções no pagamento de suas dívidas. O governo da Argentina quer pagar. E realmente, enviou na sexta-feira esse dinheiro a Nova York para pagar a dívida emitida nos EUA e no Reino Unido. Mas o juiz de Nova York, Thomas Griesa, de 84 anos, ordenou pagar primeiro 1,33 bilhões de dólares a três fundos que não quiseram entrar na reestruturação da dívida, três fundos que batalharam nos tribunais ao longo de dez anos para cobrar o valor total. São o que o governo argentino chama de fundos abutres. E exigem 1,33 bilhões de dólares.

Griesa determinou na sexta-feira que o pagamento da dívida reestruturada era "ilegal" enquanto não se pagasse os litigantes. Não embargou os 539 milhões depositados no Banco de New York Mellon, mas tampouco aceitou o pagamento. E mandou que o governo argentino negociasse com os três fundos litigantes. Com isso, a Argentina dispõe agora de um período de 30 dias antes de incorrer em uma suspensão de pagamentos ou calote.

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Os primeiros indícios sobre as negociações entre o governo de Cristina Fernández e os três fundos em litígio não são nada alentadores. Jay Newman, gerente de investimentos do Elliot Management, a empresa controladora do fundo NML, um dos três litigantes, afirmou esta segunda-feira: "A disposição de negociar expressa pela Argentina foi apenas outra promessa não-cumprida. O NML está sentado na mesa, pronto para conversar, mas a Argentina se recusa a falar sobre qualquer aspecto da disputa. (...) Não há negociações em curso, não houve e a Argentina se nega a comprometer-se no futuro. Esperamos que reconsidere uma saída."

A Argentina se encontra entre a espada e a parede. A espada de pagar os 1,3 bilhões aos "abutres" significaria abonar outros 15 bilhões de dólares a outros "abutres" que poderiam exigir os mesmos direitos, segundo alegou há duas semanas a presidenta, Cristina Fernández, em um discurso televisionado. A cifra de 15 bilhões de dólares implicava pagar nos próximos anos mais da metade das reservas de divisas que o Banco Central da Argentina possui nestes momentos.

Mas se a espada dos "abutres" é afiada, a parede default não é menos dura. Se o governo argentino se negasse a pagar os 1,3 bilhões que deve aos "abutres" não poderia honrar tampouco - mesmo se quisesse - a dívida contraída com os credores que aceitaram as reduções de 2005 e 2010. Isso significaria cair em default técnico. Com isso, a chegada de capital estrangeiro que o país tanto precisa para financiar suas obras públicas e realizar os investimentos nas jazidas de Vaca Muerta iria minguar bastante. A situação não é tão desesperada quanto a de 2001, quando a Argentina entrou no maior calote de dívida de um país ao longo da história: 82 bilhões de dólares que não foram pagos. Mas que não seja tão catastrófica não significa que a situação não seja grave. Para a maior parte dos analistas, o Governo não tem outra saída a não ser negociar com os "abutres".

O governo argentino contou nesta batalha com poderosos aliados. Contou com a ajuda de dezenas de deputados opositores, que viajaram com os altos funcionários do governo dos Estados Unidos antes de que a Corte Suprema se pronunciasse contra o Executivo. Contou com o apoio do governo da França que se apresentou como amicus curiae ou amigo do tribunal em defesa da Argentina. Contou também com o apoio, nada mais e nada menos, que do Fundo Monetário Internacional (FMI), preocupado pela jurisprudência que este caso possa sentar na hora de enfrentar outras diminuições de dívidas em outros países. O governo de Barack Obama, preocupado igualmente pela possível repercussão em outros países, também respaldou a Argentina. No Reino Unido, um grupo de parlamentares assinou uma declaração de apoio à Argentina.

E, além de todo esse respaldo, Martin Wolf, talvez o colunista mais influente do jornal econômico mais influente, o Financial Times, escreveu na semana passada um artigo chamado Defender a Argentina dos abutres. Wolf afirmou que se a Argentina for obrigada a pagar os holdouts ou fundos litigantes na totalidade, o custo cairá sobre os argentinos e isto seria uma "extorsão respaldada pelo poder judiciário dos Estados Unidos".

Martin Wolf concluiu em sua coluna: "Um mundo no qual a opção para os soberanos e seus credores está entre um pagamento na totalidade e falta absoluta de pagamento seria tão ruim quanto um no qual os devedores tivessem que escolher entre a fome e a prisão. Agora deve ser encontrada uma maneira melhor."

Em seu afã para ganhar a opinião pública, o governo da Argentina publicou no New York Times um anúncio no qual explicava sua versão sobre por que a sentença de Griesa é "impossível de ser cumprida" e disse estar disposto a pagar de uma forma "justa, equitativa e legal". O Governo insiste em sua intenção de cumprir com a reestruturação da dívida que aceitaram "92,4% dos portadores de títulos", acusa de "parcialidade" o juiz Griesa e ataca a sentença da Corte Suprema dos Estados Unidos que referendou a sentença de Griesa. "Isso não é mais que uma forma sofisticada de tentar nos obrigar a cair de joelhos em frente aos usureiros do mundo", aponta o anúncio do Executivo argentino.

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