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O rubor da FIFA

O maior organismo futebolístico perdeu qualquer autoridade moral ao não sancionar a corrupção de seus membros e dá exemplo de sua falta de critério nos castigos aos jogadores

Ramon Besa
O presidente da FIFA, Sepp Blatter, domingo passado no Maracanã.
O presidente da FIFA, Sepp Blatter, domingo passado no Maracanã.REUTERS

Havia aparentemente certo consenso na Copa, se é que no futebol se pode falar em acordo, sobre a necessidade de que Luis Suárez fosse punido de forma inequívoca por morder Chiellini. O senso comum convidava a aplicar o regulamento de imediato, conceder ao castigado o direito de apelar e resolver sem mais demora um assunto que com o tempo acabou se tornando um show que excedeu a Copa.

Não se falou do castigo que merecia propriamente o jogador, mas lembrou-se da sua infância difícil, dos seus problemas com o álcool e do seu currículo penitenciário no Ajax e no Liverpool. Já são três as vezes que Luis Suárez mordeu um jogador do time rival e inclusive se soube que um torcedor norueguês ganhou dinheiro depois de apostar que o uruguaio voltaria a cravar seus dentes em um zagueiro.

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As redes sociais se encheram de piadas, brincadeiras e fotomontagens sobre Suárez, que foi comparado ao Drácula ou a Hannibal Lecter, e foi convidado a ver um psicólogo ou um veterinário. O escárnio sobre o personagem foi frequentemente tão excessivo como a defesa irracional que os uruguaios fizeram de seu ilustre cidadão, desde o presidente Mujica ao capitão Lugano, passando por Tabárez, o técnico da seleção.

Negar a evidência e transformar uma infração futebolística em um assunto de Estado não foi, tampouco, a melhor defesa de Suárez. O caso ultrapassou o âmbito esportivo e escapou, portanto, ao seu controle e muito especialmente ao da FIFA, que julgou o jogador como atleta e cidadão e, de passagem, castigou de forma indireta o Liverpool, seu atual clube, enquanto não há compensação alguma para o prejudicado, que é a Itália.

Suárez pode ser condenado a nove ou mais jogos e receber uma multa de 82.000 euros –cerca de 246.000 reais– ou 200.000 euros – aproximadamente 600.000 reais– de acordo com a justiça esportiva, sempre discutível. Suspendê-lo de qualquer atividade relacionada ao futebol por quatro meses, por outro lado, é menos razoável e mais parece uma pena contra um delinquente que, como tal, tem sua entrada em campo proibida. Mesmo que ele tenha sido tratado de hooligan, sua transferência de clube não foi proibida.

É preciso manter o negócio e aplicar o fair play. Assim é a hipocrisia da FIFA, de novo populista e arbitrária: não se sabe por que meter o dedo em um olho, dar uma cotovelada, uma cabeçada ou quebrar a tíbia e o perônio sai mais barato do que uma mordida. O maior organismo futebolístico perdeu qualquer autoridade moral ao não sancionar a corrupção de seus membros e dá exemplo de sua falta de critério nos castigos aos jogadores

É preciso manter o negócio e aplicar o fair play. Assim é a hipocrisia da FIFA, de novo populista e arbitrária

Luis Suárez merece ser punido como jogador, mas precisa de cuidados como pessoa, e a FIFA não é precisamente o melhor doutor. A punição não é apenas desproporcionada, mas soa populista, própria do show midiático que move o futebol e, principalmente, seus dirigentes, aqueles que transformam a administração e a aplicação da pena em uma notícia maior do que a falta.

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