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As obras da Copa seguem à espera da ‘noiva’ que nunca chega ao altar

Sabe-se que o pontapé inicial do Mundial acontecerá no Itaquerão, em São Paulo, mas em todas as cidades-sedes há problemas na infraestrutura

Funcionários fazem últimos ajustes no Itaquerão.
Funcionários fazem últimos ajustes no Itaquerão.Bosco Martín

Ciente dos atrasos nas obras nos estádios para a Copa do Mundo, o ministro do Esporte brasileiro, Aldo Rebelo, chegou a comparar no final do ano passado a situação a um casamento. "Nunca fui a uma cerimônia em que noiva chegasse na hora, mas nem por isso o casamento deixou de acontecer.” Na Arena Corinthians (Itaquerão), palco da abertura do Mundial nesta quinta-feira, dia 12, em São Paulo, o sentimento é esse. Sabe-se que o pontapé inicial do torneio acontecerá, já há um clima de festa nos arredores, mas nada de a noiva aparecer pronta.

Uma visita à região da arena, na zona leste de São Paulo, na manhã desta quarta-feira, deixou claro que as próximas horas deverão ser de muito trabalho dentro e fora do estádio. No exterior do perímetro controlado pela FIFA, ainda é possível ver operários trabalhando nas arquibancadas temporárias atrás dos gols. A estrutura desmontável do setor norte, por exemplo, recebeu a liberação do Corpo de Bombeiros apenas na última segunda-feira, e será testada oficialmente pela primeira vez já na partida inaugural da Copa, entre Brasil x Croácia.

O projeto inicial previa capacidade total para 48.000 pessoas. A Fifa pediu uma ampliação para 68.000 com a instalação de arquibancadas temporárias, mas o atraso nas obras aliado a um acidente –ao todo, nove operários morreram nas construções das arenas– fizeram com que a lotação caísse para cerca de 60.000. Problema similar passou a Arena das Dunas, em Natal (Nordeste), que teve de correr contra o tempo para instalar os assentos temporários.

No exterior, funcionários da prefeitura ainda se revezavam nesta quarta em torno da manutenção de uma das placas de cimento no caminho para o estádio, enquanto um agente de trânsito dizia aplicar a sua quarta multa do dia por estacionamento irregular nos arredores. Preocupadas com o deslocamento, duas mulheres encostam o carro para pedir informações a policiais. “Como será a entrada amanhã? Essa estação de metrô vai abrir ou paramos antes?” Quase sempre cabia aos agentes de segurança lidar com as informações desencontradas.

O trajeto para a festa na saída do metrô que serve o estádio também carece de uma sinalização mais adequada. Entre os operários que pintam e dão acabamento ao corredor que leva à arena, o EL PAÍS seguiu placas que apontavam o setor leste do Itaquerão e acabou por se afastar do próprio palco de estreia do Mundial, seguindo para um centro comercial e a um caminho pintado em verde e amarelo inacabado que conduzia ao meio de uma rua lateral.

Mais preparativos

Situação parecida foi vivida no Rio de Janeiro, que respirou mais aliviado nesta quarta-feira com o descarte de uma paralisação do setor. O horizonte da Praia de Copacabana se mescla a andaimes onde dezenas de técnicos e operários constroem o que será a Fan Fest da FIFA. Barreiras de segurança, chapas de aço e quilômetros de cabos dão a entender que as obras durarão toda a noite. No Maracanã, a primeira coisa que se vê ao sair do metrô é um grupo de operários que realiza o acabamento de uma passarela, além de turistas e ambulantes.

O estádio receberá no próximo domingo a sua primeira partida do Mundial, Argentina x Bósnia, e cerca de 80.000 espectadores poderão atravessar a passarela rumo à arena. O perímetro do estádio tampouco foi esvaziado: operários com carrinhos entram e saem pelas portas que levam ao Maracanã, protegidas por agentes de segurança. Outras áreas da cidade também sofrem um congestionamento crônico pelas obras olímpicas, também atrasadas.

Turistas e vendedores nos arredores do Itaquerão.
Turistas e vendedores nos arredores do Itaquerão.BOSCO MARTÍN

A situação do Rio e de São Paulo demonstra que as 12 cidades-sedes têm muito mais coisas em comum do que se pensa quando o assunto é infraestrutura. Em Cuiabá e Manaus (que receberão quatro partidas da primeira fase cada uma), os problemas são no acesso aos estádios. Enquanto na primeira cidade o tão prometido Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) não foi concluído, na outra os projetos de melhorias no transporte não saíram do papel. Em telecomunicações, metade das arenas não terá ainda cobertura de internet Wi-Fi.

Os aeroportos são outras pedras no sapato para os organizadores da Copa. Todas as cidades-sede passaram por reforma, mas nenhum atinge o “padrão FIFA” de qualidade. O de Brasília enfrentou um alagamento na semana passada, poucos dias após suas obras de reforma terem sido entregues. O do Rio e o de Manaus convivem com goteiras e infiltrações nos tetos. Nos de Guarulhos e de Congonhas, ambos em São Paulo, os maiores problemas são a espera na saída deles. As filas para tomar um táxi chegam a uma hora e meia de espera. O aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro –que aguarda a chegada de 600.000 visitantes, e cuja conclusão estava prevista para 2012, segue em obras.

A chegada dos convidados

Enquanto isso, do lado dos convidados, a movimentação de bandeiras e cores foi intensa nesta quarta, em meio ao tempo cinza e à chuva fina de Itaquera. Aos gritos de “Colômbia”, um grupo chamava a atenção, tirando fotos com os pedestres. Oriundos de Bogotá e Medellín, os torcedores vieram como “mochileiros” e buscam arrecadar o dinheiro necessário para viajar quase 600 quilômetros e ir a Belo Horizonte acompanhar mais de perto a seleção de seu país.

“Temos 30 reais, precisamos de cerca de 300 para conseguir”, dizia o técnico de motores Alfredo Ríos, de 29 anos. “Temos que aproveitar agora, porque para a Rússia (sede da próxima Copa) nós não vamos. É muito longe”, brincava, após enfrentar mais de 15 dias de viagem. Outro a realizar longas distâncias foi o garçom haitiano Philippe Jane, 25, que deixou a sua terra natal e a família para morar no Brasil em busca de melhores oportunidades há um ano e dois meses. “Não podia deixar de vir até aqui (o estádio). A Copa vai ser maravilhosa”, dizia, empunhando a bandeira de seu país, que passou longe de se classificar para o torneio.

Já a enfermeira aposentada brasileira Irene Alves, de 65 anos, caminhava sem alarde e admirada com a imponência da arena. “Foram 103 anos de humilhação que a gente passou. Agora acabou. Temos um estádio”, afirmava, após acompanhar o Corinthians por mais de 50 anos na arena municipal do Pacaembu, no bairro nobre de mesmo nome, na zona oeste. Assim como os outros três entrevistados, ela não conseguiu ingressos para nenhum jogo da Copa.

Os convidados já estão chegando, mas, até agora, nada de a noiva aparecer pronta.

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