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BrazilFoundation quer plantar a semente da filantropia no Brasil

Depois de 12 anos em Nova York, a financiadora de projetos vem a São Paulo em busca de “investidores sociais”

Família em frente à casa construída pelo projeto Ação Moradia.
Família em frente à casa construída pelo projeto Ação Moradia.L. Ribeiro

Há doze anos, Leona Forman fundou a financiadora BrazilFoundation (BF) nos Estados Unidos, com o intuito de captar recursos de brasileiros que moravam fora do país e empresas estrangeiras interessadas em financiar projetos de instituições e organizações sociais que tivessem propostas para transformar o Brasil. Nesta quinta-feira, a fundação realiza sua 12a Gala anual para “incentivar a filantropia entre o empresariado e pessoas jurídicas brasileiras”, explica Patrícia Lobaccaro, presidente da BF. O evento, que será na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano no bairro Morumbi, é o primeiro da BF feito em São Paulo, depois de outras galas em Nova York e Miami. Desde a sua fundação, o grupo já deu suporte a 350 projetos nas áreas social, cultural, de saúde ou direitos humanos apoiados até hoje.

Entre eles, a Ação Moradia, de Uberlândia, em Minas Gerais, que promove a construção de moradias s populares com tijolo ecológico. Há, também, a Cooperativa de Oficinas Caboclas, em Santarém, no Pará, que apoia artesão para vender suas peças, e ainda, o Gente é Pra Brilhar, que oferece oficinas de dança e saúde. “O grande benefício (para quem apoia) é a satisfação de ver os resultados, os benefícios deixados às comunidades onde operam”, diz Forman, hoje com 73 anos. Filha de russos e nascida na China, ela queria retribuir as oportunidades que o Brasil deu a ela desde os 13 anos, idade que tinha quando chegou a São Paulo. Ao se aposentar, decidiu criar a fundação. Depois de trabalhar na Organização das Nações Unidas (ONU) e ver a dificuldade que as ONGs tinham para conseguir recursos, resolveu criar a BF.

Inicialmente, a base da BF foi estabelecida em Nova York com o propósito de dar visibilidade para a situação do país-continente no exterior, de onde recebem muitos apoios, como o do banco HSBC, do grupo financeiro Goldman Sachs, e também do Brasil, como o da companhia aérea TAM. Com a crise mundial financeira, em 2008, várias organizações de ajuda social e humanitárias deixaram de dar atenção ao país, pois a economia brasileira apresentava uma situação mais positiva que a de outras zonas pobres, como o Caribe ou a África. “Mas eles esqueceram que somos muitos Brasis, ainda existem áreas tão pobres e tão necessitadas de recursos quanto lá fora”, alega Forman. Por telefone, ela e Lobaccaro conversaram com o EL PAÍS sobre os benefícios e dificuldades de captar recursos e incentivar a filantropia para os projetos socialmente engajados do país.

Pergunta. Quais são as áreas mais carentes do Brasil?

Resposta. Pelas quase 9.000 propostas que recebemos nos últimos 13 anos podemos dizer que são os próprios empreendedores sociais das comunidades que percebem suas prioridades sociais e dão ideias para solucionar os problemas. A grande parte deles aborda a educação e a cidadania, depois vêm os projetos culturais e de direitos humanos que, embora menos frequentes, são os mais contundentes ao realizar as iniciativas que propõem e, por último, da área de saúde, que trabalha com prevenção.

P. O déficit de moradias no Brasil é um dos grandes problemas e uma das razões para algumas das manifestações que ocorreram em São Paulo neste ano. Quais iniciativas a Brazil Foundation apoiou que conseguiram reverter esse cenário?

R. O projeto Ação Moradia, em Uberlândia, é um dos mais bem sucedidos, que começaram com as próprias famílias fazendo tijolo e levantando as casas em mutirão, e hoje eles fazem tijolo para vender. A casa é construída com tecnologia para facilitar a ventilação, ter água quente e economizar luz, é uma casa mais sustentável. Mais de 300 famílias já têm suas casas na periferia de Uberlândia, Minas Gerais.

P. A ONG Humans Rights Watch publicou um relatório no começo do ano que indicava que estamos muito atrás em questões de direitos humanos no país. Quais iniciativas ligada aos direitos humanos conseguiram apoio através de vocês? De quê tratavam?

R. As mais recentes se dedicam a lutar contra o trabalho escravo, no Pará e na Bahia principalmente; tem rádio comunitária que denuncia trabalho infantil; contra todos os tipos de preconceito; temos várias organizações LGBT; alguns projetos em presídios.

P. Como vocês escolhem um projeto?

R. Recebemos a proposta, fazemos a visita e observamos se há comprometimento, se o líder tem legitimidade na comunidade e se a proposta feita tem sentido naquele contexto social. Às vezes os projetos são muito ambiciosos para a capacidade real. Sugerimos enfoques e caminhos. Os melhores resultados apoiamos por mais de um ano. Cada projeto tem um começo e um fim, mas nada impede que a organização volte com um projeto que dá sequencia ao implementado ou outro diferenciado. Vemos com bons olhos os projetos que voltam, mas nem todos são aprovados.

P. Qual é o objetivo do evento Gala?

R. Estamos com 54 projetos finalistas. Temos recursos para apoiar 25 deles, apoios que vieram de Nova York e Miami. O nosso objetivo é captar recursos para investir em mais projetos. Mobilizar as iniciativas locais também, pois dos 794 que recebemos este ano, 160 vieram de São Paulo. É o Estado mais populoso, que tem a maior demanda. Então queremos plantar essa semente de engajamento e filantropia nas pessoas que moram no Brasil, mobilizar e replicar o que fizemos nos EUA. A proximidade traz uma maior vontade de apoiar, porque você acompanha de perto o trabalho sendo feito com a sua doação.

P. Qual é o retorno deste investimento?

R. Nos EUA existe a redução fiscal. Aqui somos uma OSCIP [Organização da Sociedade Civil de Interesse Público], então existe alguma redução fiscal para pessoas jurídicas. Mas o grande benefício é a satisfação de ver os resultados, os benefícios deixados às comunidades onde operam. O próprio relacionamento com a comunidade é visto com mais apreço pelo financiador, e isso nem o dinheiro compra.

P. Os projetos culturais têm o apoio da Lei Rouanet para captar recursos, já os sociais não têm essa espécie de “aval” do Governo brasileiro, que indica quais projetos estão aptos a receber recursos. Caso os projetos sociais se encaixassem em alguma lei federal, isso poderia aumentar o interesse das empresas em participar?

R. Sim, e muito. Existem vários incentivos fiscais para empresas e indivíduos, mas no Brasil é tudo muito segmentado. Tem lei para jovem e criança, tem para cultura, outra para música... Nos Estados Unidos é muito mais simples, é apenas uma lei. No Brasil, ainda que você faça uma doação, tem que pagar um imposto sobre aquilo, e varia de acordo com o Estado. É tudo muito confuso e complicado. O Governo deveria ver os exemplos que funcionam lá fora para criar uma lei que seja mais justa e igualitária.

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