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Joaquim Barbosa diz adeus ao “momento mais criativo da Corte”

O primeiro negro a ter uma vaga no STF sairá em junho e frustra quem esperava que ele fosse candidato. A dúvida é saber seu favorito nas eleições presidenciais

Carla Jiménez
Joaquim Barbosa.
Joaquim Barbosa.Elza Fiúza (AgBr)

Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, confirmou nesta tarde que se afastará da presidência e do cargo de ministro a partir de junho. A informação havia sido divulgada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, nesta manhã de quinta-feira. Na abertura da sessão de hoje, Barbosa avisou que tinha uma informação de ordem pessoal a trazer. “Eu decidi me afastar do Supremo no final do semestre, em junho”, afirmou o magistrado. “Tive a felicidade, a satisfação e alegria de passar e compor essa corte no que é talvez seu momento mais fecundo, de maior criatividade e de importância no cenário político-institucional do país", completou.

O ministro Marco Aurélio Mello, o ministro mais antigo presente na sessão, fez uma fala lembrando o processo do mensalão, maior julgamento da história do tribunal, que foi relatado por Barbosa.Pois são as manifestações posteriores a esse eventual retiro que dão o tom de quem é este personagem. “Já vai tarde”, escrevem alguns no Twitter, “Agora sim os ratos vão tomar conta do Supremo”, lamentaram outros. Amando ou odiando, ninguém no Brasil se tornou indiferente a Barbosa, depois do midiático julgamento do mensalão no ano passado, que ainda teve lances importantes neste ano.

A saída antecipada – ele ocuparia o cargo, que assumiu em novembro de 2012, até novembro deste ano – já era dada como certa por ele mesmo, que tem hoje 59 anos. Mas, se confirmado o jubilo da vida pública, significa que ele abre mão de onze anos de carreira dentro do Supremo. Para alívio de alguns, ele não pode concorrer às eleições presidenciais deste ano, uma vez que numa aposentadoria voluntária, um integrante do STF fica inelegível por seis meses. Porém, seu apoio político abertamente vale moedas de ouro, pelo mito que se transformou para algumas pessoas. “Seu apoio não é decisivo para definir uma eleição, mas sem dúvida é importante”, diz o cientista político Murillo de Aragão. As especulações estão pelos nomes de Aécio Neves (PSDB) ou Eduardo Campos (PSB).

Se tivesse saído há tempo de se candidatar– o dia 5 de abril era seu ‘deadline’ – iria embaralhar, sem dúvida, a disputa para os três presidenciáveis mais fortes até o momento. Numa simulação feita em fevereiro pelo instituto de pesquisa Datafolha, Barbosa alcançava 14% das intenções de votos caso fosse candidato, o que empurraria a eleição para o segundo turno. Essa possibilidade não era cogitada naquela época, quando a reeleição de Rousseff ainda parecia certa no primeiro turno.

A mesma pesquisa, porém, mostrava uma rejeição crescente ao nome de Barbosa. Ao menos 27% das pessoas entrevistadas pelo Datafolha diziam que não votariam no presidente do Supremo de jeito nenhum. Em novembro, o mesmo levantamento mostrava uma rejeição de 22% ao seu nome.

A condenação de 25 pessoas durante o processo do mensalão significou um regozijo para o Brasil, um país cuja Justiça costuma levar para a cadeia apenas os criminosos pobres e que garante aos empresários e políticos que podem pagar advogados inúmeros recursos que acabam atenuando suas penas. Numa tacada só um empresário – Marcos Valério – uma banqueira (Kátia Rabello) – e diversas lideranças políticas, como José Dirceu e José Genoino, foram para trás das grades.

Mas, ao mesmo tempo, despertou revolta e questionamentos no meio jurídico e entre os aliados do Partido dos Trabalhadores (PT), principal vítima do julgamento do Supremo. Barbosa foi tão aguerrido para conseguir o intento de mudar a história, e a jurisprudência brasileira, que ultrapassou alguns limites, na opinião de alguns. “Ele faz um jogo moralista e trabalhou de maneira midiática”, diz uma especialista. A transmissão ao vivo das sessões dos tribunais foi acompanhada massivamente pela mídia, que tentava resumir os longos discursos dos 11 ministros para legitimar seus votos a favor ou contra cada crime pelo qual estavam sendo julgados os réus. A veemência de Barbosa o colocava em destaque.

Os mais recentes embates públicos do presidente do Supremo reforçavam os defensores da tese de perseguição da sua parte contra os réus petistas. Dirceu tentava usufruir do direito a trabalhar durante o dia pois foi condenado a regime semiaberto, e Genoino solicitou prisão domiciliar devido a seu estado de saúde. Os dois pedidos foram negados.

Suas decisões despertaram a ira desmedida, a ponto de o presidente, o primeiro negro a ocupar o papel de ministro da Corte, ter recebido ameaças de mortes de alguns mais exaltados. Segundo informações da revista Veja, um integrante do Partido dos Trabalhadores escreveu no seu perfil no Facebook que “Contra Joaquim Barbosa toda violência é permitida, porque não se trata de um ser humano, mas de um monstro”. A Polícia Federal estaria investigando essas e outras ameaças do gênero nas redes sociais contra o magistrado.

Barbosa, porém, personificou um gestor público sonhado por grande parte do Brasil, alguém que exponha explicitamente sua ira contra os repetidos abusos e distorções no país. "As pessoas são tratadas de forma diferente de acordo com seu status, sua cor de pele e o dinheiro que tem. Tudo isso tem um papel enorme no sistema judicial e especialmente na impunidade", disse Barbosa, no ano passado, durante encontro na Costa Rica, segundo informações da Agência Brasil.

Controverso, reclamava da exclusividade das atenções para o mensalão petista. “A imprensa nunca deu bola para o mensalão mineiro”, disse ele para uma entrevista à Folha de S. Paulo em 2012, referindo-se ao processo que corria contra o ex-deputado Eduardo Azeredo, do PSDB, que teria financiado sua candidatura com verbas públicas desviadas em 1998. No final de março deste ano, o Supremo tinha de decidir se o caso deveria ser julgado pela própria Corte Máxima, ou se deveria seguir todo o ritual processual, partindo de uma primeira instância na justiça comum, em Minas Gerais. Todos os ministros votaram a favor da primeira instância, algo que favorece o réu, uma vez que conta com os demorados julgamentos a cada etapa, até chegar ao Supremo. Só Barbosa foi contra.

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