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eleições europeias 2014

Valls baixará o Imposto de Renda depois do auge de Marine Le Pen

O primeiro ministro francês promete uma diminuição do imposto sem modificar os cortes A Frente Nacional arrasa nas urnas e estende seu poder por quase todo o país

Manuel Valls sai da cabine depois de ter votado nas eleições europeias no domingo.
Manuel Valls sai da cabine depois de ter votado nas eleições europeias no domingo.AFP

As eleições europeias devastaram o cenário político francês. A primeira vitória da Frente Nacional em eleições nacionais nos seus 52 anos de história colocou o Governo socialista e a oposição conservadora em uma situação de debilidade extrema, atirando a França no buraco negro de um continente assolado pela crise e pela incapacidade dos seus governantes e instituições em dar respostas democráticas e sociais à Grande Recessão. Depois de se reunir em caráter emergencial no Palácio do Eliseu com o presidente François Hollande, o primeiro ministro Manuel Valls prometeu baixar os impostos e em concreto o Imposto de Renda Pessoa Física 2015. Descartou dissolver o Parlamento e convocar novas eleições legislativas como pediu Marine Le Pen depois de ganhar no domingo em cinco das sete zonas eleitorais, ficando com 24 das 74 vagas parlamentares que cabiam à França.

Manuel Valls foi à rádio RTL para assegurar que o Governo "seguirá cumprindo com sua responsabilidade" e anunciar que no ano que vem baixará uma pressão fiscal que qualificou como "insuportável". A promessa, que já foi feita sem êxito durante a campanha, chega tarde para conter o avanço da ultradireita, e Valls assegurou também que não modificará a folha de pagamento aprovada. Há um mês, os socialistas decidiram reduzir os impostos empresariais em 30 bilhões de euros, e se comprometeram com Bruxelas a cortar 50 bilhões de gasto público em três anos. Assim que a pergunta óbvia for: Como a França vai cumprir seus objetivos de déficit se baixar o Imposto de Renda? Valls respondeu que buscarão a foram de fazê-lo, mas deixou no ar a impressão de que a prioridade já não será o rigor contábil e sim o caminho até as eleições presidenciais de 2017.

Na noite do domingo, após conhecer os resultados eleitorais, Le Pen recordou que Valls se empenhou a fundo na campanha e acrescentou que ele deveria atuar conforme isso, insinuando que teria o dever de renunciar. Os socialistas ficaram em terceiro lugar, com 13,9% dos votos, o pior percentual da sua história. Outras vozes, como a do líder centrista Hervé Morin, cobraram a renúncia do presidente François Hollande.

O primeiro-ministro descartou demissões e pediu tempo aos franceses. “Hollande recebeu um mandato eleitoral de cinco anos”, disse. “Temos que terminar o quinquênio. Mas estou convencido de que a França deve se reformar. Porque há muito tempo a direita e a esquerda não têm feito o que devem fazer para se reformar”.

O clima político provocado pelo triunfo da Frente Nacional mostra todos os elementos do final de uma era. Doze anos depois de obter o segundo lugar na eleição presidencial de 21 de abril de 2002, a ultradireita ficou na primeira posição, quatro pontos percentuais à frente dos conservadores da UMP e a nove dos socialistas, confirmando o crescimento meteórico de Marine Le Pen, que em apenas três anos, e praticamente sem recursos econômicos, transformou um partido familiar pequeno e malvisto em uma possante máquina eleitoral, capaz de seduzir cada vez mais franceses e de semear o pânico no sistema bipartidário.

Na eleição presidencial de 2012, Le Pen obteve 17,9% dos votos (7,5 pontos a mais do que seu pai, Jean-Marie Le Pen, em 2007). Nas eleições legislativas posteriores, a FN ficou com 13,6%, nove pontos a mais do que cinco anos antes. Nas eleições municipais de março deste ano, apresentando-se apenas em um terço dos municípios, o partido conquistou seu melhor resultado da história, elegendo 11 prefeitos, sendo que até então a FN só havia governado no máximo quatro cidades.

A análise do pleito europeu não só confirma essa progressão como também a acentua. Com quase 25% dos votos emitidos, a FN quadruplica seu resultado de 2009 e chega à frente em cinco das sete circunscrições eleitorais do país, apesar de a abstenção, longe de aumentar como previam as pesquisas, ter diminuído três pontos percentuais.

Le Pen melhora sua média nacional. Mesmo em regiões esquivas à extrema direita os diques de contenção saltaram pelos ares

O nordeste da França, um deprimido território antigamente voltado para a mineração e agora escolhido pela eurodeputada Marine Le Pen como seu feudo pessoal, é a vanguarda de uma conquista espalhada por todo o país: com 33,6% dos votos, a FN tira 15 pontos da UMP e mais de 20 dos socialistas, que se afundam a um terrível 11%. No leste e sudeste, onde a FN está acostumada a obter bons resultados, Le Pen melhora sua média nacional, com 28,9% e 28,1%, respectivamente. Mas mesmo em regiões tradicionalmente esquivas à extrema direita os diques de contenção saltaram pelos ares. É o caso do sudoeste, onde Le Pen obteve 24,7%, quadriplicando o percentual de 2009. E do oeste, onde a FN multiplica por seis seus resultados de 2009, passando de 3% para 19,3%. Na Île de France, a região da europeísta capital francesa, a Frente Nacional ficou em segundo, depois da UMP, com 17,3% dos sufrágios.

A força da extrema direita coincide com o afundamento dos dois grandes partidos, o que abre cenários imprevisíveis em ambos os casos. Os conservadores, já divididos antes da batalha, começaram ontem à noite a sua habitual guerra de famílias, para acordarem nesta manhã com a pior notícia possível: Claude Guéant, ex-ministro do Interior e ex-braço direito de Nicolas Sarkozy no Palácio do Eliseu, foi detido pelos juízes que investigam o escândalo Bernard Mure. O futuro da UMP parece algo mais do que sombrio, pois perde todo o oxigênio recebido nas últimas eleições municipais: apenas dois meses depois de vencer esse pleito, os descontentes com as políticas de Hollande preferiram a Frente Nacional. A direita perde sete pontos com relação a 2009, ficando com 20,9%, quatro pontos atrás de Le Pen. Os centristas são os únicos que melhoram um pouco com relação a 2009: a aliança Alternativa obteve 9,7% dos votos.

Os socialistas, por sua vez, confrontam uma realidade dramática apenas dois anos depois de terem conquistado todo o poder (presidencial, legislativo, Senado, regional e municipal), situando-se em seu nível eleitoral mais baixo da história, com uma sangria na sua votação em todo o país. E a esquerda em seu conjunto está de luto: os Verdes perderam a metade de votos e caíram a 8,9%, a Frente de Esquerda recebeu 6,3% de apoios, e o Nouvelle Donne, partido dos indignados galeses, não superou 2,9%. Total, incluindo os socialistas: famélicos 32%.

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