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"A chave é oferecer um conteúdo de qualidade"

Bernardo Marín, responsável pela edição digital do EL PAÍS, fala sobre os desafios da web

PERGUNTA. Senhor Marín, boa tarde. No caso do jornal EL PAÍS, o acesso à edição digital do jornal vai continuar sendo gratuito ou, ao contrário, vão cobrar algum tipo de taxa para acessar alguns conteúdos? Um abraço

RESPOSTA. Essa decisão ainda não foi tomada, mas é evidente que se trata de um dos grandes debates que os meios de comunicação estão enfrentando. Sem dinheiro não é possível produzir informação de qualidade. Mas para cobrar é preciso oferecer informação de muita qualidade. A rede está saturada de notícias gratuitas: o leitor só vai pagar por um produto diferente. Por isso nossa batalha deve continuar sendo a da excelência... E depois veremos o que fazer.

P. É possível fazer jornalismo de qualidade na Internet? Não parece ao senhor que a informação na rede está muito condicionada pelo imediato e a pressa por publicar antes que a concorrência? Muito obrigada e boa sorte.

R. Na internet é possível e devemos publicar uma informação com a mesma qualidade que nos suportes tradicionais. Acho que o imediato é uma oportunidade, não uma condenação. É verdade que em algumas ocasiões existe a pressão por publicar as coisas antes que a concorrência, mas é preciso tentar resistir a essa tentação: as notícias devem ser divulgadas quando estiverem comprovadas. Isso é uma regra do jornalismo que não muda na internet nem em qualquer suporte que for inventado.

P. Acho que o EL PAÍS digital funciona muito bem e sobretudo na América, México, EUA e Brasil, este sucesso acontece pelo pessoal que vocês possuem ou por que os países americanos precisam de informação de verdade e é o que vocês fazem?

R. Para o EL PAÍS, o público americano sempre foi muito importante. Dali procedem aproximadamente uns 30% dos leitores de nossa web. Já faz um ano que temos uma edição americana, na qual tive a sorte de trabalhar durante mais de um ano, e em novembro começamos a edição brasileira, em cujo lançamento também estive presente. Temos uma importante delegação no México DF, outra em São Paulo, outra um pouco menor em Washington e muitos jornalistas nos quatro cantos do continente. É uma aposta que se reflete inclusive em nosso cabeçalho, onde nos apresentamos como um jornal global, o único tanto em português quanto em espanhol.

P. Gosto muito de ler o jornal e visito várias veze por dia a versão digital e encontro notícias muito mal escritas. Estou me referindo não só que se nota que a pessoa que escreveu não é especialista no tema, mas que também estão mal redigidas. Gostaria de saber quem revisa as notícias que são publicadas na versão digital.

R. Lamento que essa seja sua impressão. Ao responder uma pergunta anterior eu dizia que o imediato não deve ser uma desculpa para aceitar erros e imprecisões que infestam as informações na internet. As notícias, pelo menos as que saem na primeira página, devem ser revisadas pelas pessoas encarregadas em cada momento da web. Mas é verdade que esses controles falham mais vezes do que gostaríamos. Não sei quem disse que não ganha quem dá a notícia antes de todos, mas o primeiro que dá uma notícia bem escrita. Estou totalmente de acordo: espero conseguir aplicar esse ditado agora que sou o responsável pela web. E espero que os leitores percebam isso.

P. Cresceu o número de leitores com o uso da web? Ou representou uma perda econômica para o jornal?

R. Cresceu muito. Perdemos leitores de papel, mas no conjunto eu diria que temos quatro ou cinco vezes mais leitores que antes da existência da internet. E procedentes de todos os países do globo. Mas isso não quer dizer que aumentou a renda na mesma proporção. O leitor de papel deixa um euro e pouco na banca, mas não é tão fácil tirar um rendimento econômico de sua atividade na internet. E esse é um desafio crucial, como dizia antes, porque elaborar informação de qualidade, enviar um jornalista à Síria, manter uma equipe de investigação ou uma redação de dez pessoas no México custa dinheiro.

P. Senhor Marín, boa tarde. Frente ao auge que estão experimentando as novas tecnologias, o senhor acha que a imprensa em papel corre algum risco? Um abraço

R. Não sei se o papel desaparecerá algum dia, mas precisamos estar preparados para esse cenário, porque a tendência descendente nas vendas é clara. Mas o que mais me preocupa pessoalmente é que também fiquem obsoletas as formas nas quais distribuíamos a informação em outros suportes. Há quem diga que a web já é algo do passado e que devemos nos concentrar nas aplicações. Talvez daqui a alguns anos estejamos consultando a informação em óculos como os que Google apresentou. Pode ser que aconteça com o papel o que passou com o disco de vinil, que não morreu e ficou reduzido a um produto vintage, para minorias. Mas o mundo digital é uma revolução permanente onde os dispositivos e as formas de transmitir a informação morrem (quem se lembra do disquete? Quanto tempo tem o CD?) e são substituídos por uma velocidade vertiginosa. Essa corrida é o que me preocupa de verdade e o lugar em que devemos estar sempre na primeira linha.

P. Estimado Bernardo, segundo recentes estudos cada vez se utiliza mais as redes sociais como canais para ler notícias. Como se prepara o EL PAÍS digital para o desafio de que possivelmente em cinco anos - ou menos - não existam mais Home Pages, mas que tudo vai chegar através de redes como Twitter, Facebook, Pinterest, Storify...

R. Olá, Marijou! Acho que te reconheci... Esta pergunta está unida à minha resposta anterior. A forma através da qual as pessoas consomem informação está mudando a grande velocidade e devemos mudar com ela. É minha intenção, e poderá ser visto nos próximos dias, reforçar o departamento de redes sociais do jornal porque cada vez mais leitores chegam a nossas páginas através das recomendações de seus amigos, e não a partir de nossa home page. Espero que a mudança seja notada, depois você pode me dar sua opinião. Ah, e um abraço a Bilbo! (se você for quem eu acho que é).

P. Olá. Queria saber por que os aplicativos móveis do EL PAÍS são tão ruins e falta tanta informação. Obrigado e boa sorte.

R. Não sei se são tão ruins mas, sendo honesto, podem ser melhorados em muitos pontos. Essa é uma das nossas principais preocupações, porque como dizia antes, um número cada vez maior de nossos leitores, que logo chegará aos 50% se conecta através de dispositivos móveis. Espero que em poucos meses a mudança seja notada, coincido com você que isso é necessário.

P. Olá, Bernardo: Parabéns por seu novo cargo. Como fã de matemática, não acha que seria possível aproveitar as capacidades da edição digital para potencializar a informação científica e técnica como estão fazendo o The Guardian e o NYT?

R. A informação científica e técnica vai ser potencializada no EL PAÍS não só na web, nos próximos meses, você vai ver. Quanto às minhas prerferências pessoais, acho que seria muito feliz coordenando uma seção ou blog de matemática recreativa, jogos, enigmas, etc..., mas temo que durante uma boa temporada terei que enfrentar outras responsabilidades que, claro, também tenho muita vontade de realizar. Talvez outra pessoa possa fazer isso no meu lugar.

P. Qual foi seu momento mais emocionante em termos de cobertura jornalística?

R. Passei quase toda minha carreira jornalística, 17 anos, na área digital, trabalhando fundamentalmente com informações de última hora. É lógico que vivi momentos muito intensos, como o 11-S ou os atentados de Atocha, mas quase sempre a partir da redação. Nos últimos dois anos, trabalhei na delegação do EL PAÍS no México e pude fazer mais reportagens, o que foi muito bom porque sair na rua sempre nos ajuda a sermos melhores jornalistas. Dessa etapa fiz lindas entrevistas com duas pessoas que infelizmente não estão mais: Chavela Vargas, que visitei em sua casa de Tepoztlán e o poeta Juan Gelman.

P. Os textos dos links para as notícias que aparecem na coluna da direita na home page do jornal (cada um associado a uma pequena imagem) são com frequência incompreensíveis. Exemplo: "O editor atribui a substituição de Jill Abramson a uma 'mudança de gestão'. De que diretor estamos falando? Alguns chegam a ser autênticos hieroglifos.

R. Coincido com você em que na página web é preciso ser especialmente cuidadoso com os títulos. Em um jornal de papel, temos a página completa na frente e é comum que o contexto ajude a compreender o título. Mas não podemos obrigar o leitor da web a adivinhar para onde vai quando clica num link com um texto que não é autoexplicativo. Além do mais, uma manchete compreensível (e jornalística) contribui para que nossas notícias sejam encontradas de forma mais fácil nos buscadores. Muito obrigado por sua apreciação, vamos tomar mais cuidado.

P. Olá, Não sei se você ouviu falar do web design adaptável (responsive web design), que consiste em que as páginas web e seu conteúdo se adaptam ao tamanho da tela (independente do tipo de dispositivo). Veremos em um futuro próximo esta melhoria no elpais.com?

R. Pessoalmente, parece uma fórmula excelente para que os conteúdos sejam difundidos de forma harmoniosa em qualquer dispositivo. Isso é o que eu acho, mas temos muitas frentes abertas e ainda é cedo para dar uma resposta concreta.

P. Olá! Como consegue um meio de comunicação como o EL PAÍS, com a quantidade de meios informativos que estão presentes na internet, que um leitor escolha o site de vocês e não outro, para se informar de uma notícia dessas muito importante que dá a volta ao mundo em questão de segundos? Obrigada.

R. Nisto de jornalismo digital há muitas incógnitas e ninguém tem fórmulas definitivas. Mas estou seguro de uma coisa: em um universo de muita abundância informativa a única maneira de ser escolhido contra seus concorrentes é oferecendo um produto diferenciado e de qualidade. Nessa direção devemos concentrar o grosso de nossos esforços.

Mensagem de despedida

Ficaram muitas perguntas sem responder, espero pelo menos ter respondido algumas das mais representativas. Eu me despeço, mas temos abertas muitas vias de comunicação com os leitores e ficamos esperando suas propostas e sugestões. Muito obrigado a todos.

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