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festival de cannes

“A sala de cinema é o lugar onde entendemos que não estamos sós”

‘De Olhos Bem Fechados’, ‘Os Outros’, ‘As Horas’... A carreira de Nicole Kidman prossegue com ‘Grace de Mônaco’

Tommaso Koch
Nicole Kidman posa em Cannes.
Nicole Kidman posa em Cannes.arthur mola (ap)

Mensagem: “Venha festejar conosco”. Assinado: Russell Crowe. Refere-se a uma celebração a bordo do esplêndido iate que o ator mantém ancorado no píer de Cannes. Deve haver meio planeta que suplicaria por receber tamanho convite (e infinitos organizadores de baladinhas que morreriam para ter Kidman em sua lista de convidados). Só que ela prefere oferecer um educado “não”. Porque tem confiança e é amiga de Crowe, e porque a espera um avião de volta a Nashville, de volta à sua família. Mas o fato é que ela teria rejeitado de qualquer jeito. “Estou cansada”, explica Nicole Kidman (Honolulu, 1967) em um discreto terraço, no meio do jardim que envolve um dos hotéis mais prestigiosos de Cannes. Parece falar a sério.

A atriz está sentada ali desde as primeiras horas da manhã. E dali não se saiu durante um dia e mais de 40 entrevistas. Tanto que, num dado momento, no meio da conversa, se levanta e troca de cadeira, mesmo que seja só para ficar em outro lugar, mais ao sol.

No dia anterior, por outro lado, esteve diante de todos os holofotes. Simplesmente estreava, com ela como protagonista, o filme que abriu a 67ª edição de Cannes, Grace de Mônaco, de Olivier Dahan. De passagem, para que não faltasse nada, nos últimos dias Kidman também avisou ao mundo que seu nome original não é Nicole, e sim Hokulani, palavra havaiana que significa “estrela celestial”. Mas, à pergunta de como quer ser chamada, ela deixa as coisas bem claras: “Só meu marido [o músico Keith Urban] pode me chamar de Hokulani”. Tampouco Kidman parece ter o desejo de revelar outro grande segredo ao mundo. “Um dia eu conto”, sorri.

Então parece melhor passar ao polêmico filme que a trouxe até a Croisette. E que não agradou em nada à família real de Mônaco. “Eu os entendo. São filhos protegendo seus pais”, defende a atriz, que se colocou na pele de Grace Kelly a tal ponto que chegou a declarar que compreendia a decisão da atriz de deixar o cinema por amor, e que ela também faria o mesmo. No entanto, nunca esteve nessa encruzilhada: “Eu me sinto muito livre, é uma sensação fantástica”.

A vida desta garota

Terror a Bordo (1989).

Dias de Trovão (1990).

Um Sonho Sem Limites (1995).

De Olhos Bem Fechados (1999).

Moulin Rouge – Amor em Vermelho (2001).

Os Outros (2001).

As Horas (2002).

Dogville (2003).

Cold Mountain (2003).

A Bússola de Ouro (2007).

Austrália (2008).

Grace de Mônaco (2014).

“Eu adorei Grace Kelly. Acho que era uma boa pessoa. Surpreendeu-me sobretudo sua humanidade”, acrescenta ela sobre sua personagem. No fundo, dizem o mesmo dela. Um técnico que participou durante dois meses da filmagem de Grace de Mônaco conta que é uma das artistas mais profissionais com as quais já trabalhou, e que fala “da mesma maneira com qualquer um, do diretor aos faxineiros”. Ao ouvir isso, Kidman parece se alegrar sinceramente: “Sério? Nem penso nisso, é como eu sou. Gosto de conhecer pessoas, escutá-la. Acredito em respeitar os tempos e em ser amável com os outros”.

Uma das megaestrelas do mundo do cinema também acredita firmemente no futuro dessa mídia tal e como a conhecemos. Numa época de debates digitais, televisões inteligentes e sofás mais cheios que os cinemas, Kidman sai em defesa do hábito de toda a sua vida. “Acredito que as grandes telas têm um futuro enorme. Há uma razão pela qual amamos chorar e rir juntos e fico encantada de podermos continuar fazendo isso. A sala de cinema é o lugar onde entendemos de verdade que temos amigos, que não estamos sós.

Tanto que ela, diz, vai com bastante frequência ao cinema, como uma cidadã qualquer. Embora, claro, seja Nicole Kidman. Ou seja, a ganhadora de um Oscar por As Horas e um dos rostos (apesar dos brutais retoques que o acabaram modificando) mais conhecidos do planeta. O que em Nashville, sustenta, não tem a menor importância. No restante do mundo ir ao cinema se torna mais complexo para ela. Nada que um chapéu bem encaixado sobre a cabeça não possa solucionar.

A atriz quer dar pouca importância ao tema de ser quem é. Talvez por sua conhecida timidez, ou talvez por que realmente acredite nisso. Daí que rejeite apontar o pior aspecto de ser famosa. “Não quero queixar-me, não é meu estilo. A gente vê tanta gente no mundo que sofre e você não pode deixar de se sentir incrivelmente privilegiado”. “Ser atriz é um trabalho. Você é uma empregada, obtém um papel, faz o que o diretor te pede”: essa é a simples fórmula de Kidman. O que varia, claro, é o que cada cineasta quer dela, que trabalhou com dezenas, desde Lars von Trier a Aljandro Amenábar, passando por Braz Luhrman, Stanley Kubrick, Sydney Pollack e Gus van Sant. De concreto, cita dois exemplos: “Olivier Dahan é muito lento e metódico. Há pouco tempo, porém, rodei um filme australiano independente onde tudo era imediato, em meio a lama e sangue, sem dinheiro nem maquiagem”.

Kidman tem pensado agora em ficar um bom período em descanso. Conta que irá dar um giro com o marido e que costuma gostar de desaparecer de foco durante um tempo. Seu cotidiano longe das gravações parece simples: “Estar com meus filhos, brincar com eles, ver filmes com meu marido”. Como uma pessoa qualquer. Talvez com um chapéu.

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