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Festival de Cannes

Cannes, o princípio e o fim de um idílio real

A 67ª edição do Festival de Cannes começa nesta quarta-feira O filme ‘Grace de Mônaco’ inaugura o evento A Palma de Ouro será entregue no domingo, 25 de maio

Tommaso Koch
Nicole Kidman e Tim Roth em Cannes.
Nicole Kidman e Tim Roth em Cannes.Marc Piasecki

Graças a Cannes eles se conheceram. Ali, em 1955, surgiu a primeira faísca da qual seria chamada “o casamento do século”, entre a atriz Grace Kelly e seu futuro marido, o príncipe Rainier III de Mônaco. E no entanto, agora a Croisette se converte em palco de um desfecho real, entre a família Grimaldi e o festival. Cannes inaugura nesta quarta-feira sua 67ª edição com a projeção de Grace de Mônaco, em que o diretor francês Olivier Dahan reconstrói um 1962 crítico para Kelly, entre suas obrigações como princesa e a última proposta de Hitchcock de voltar ao cinema. E a família real de Mônaco não só não irá à Croisette como também está há um ano criticando o filme por "escasso rigor histórico e excessiva glamourização".

“A família do principado não quer ser associada de jeito nenhum ao filme, que não reflete a realidade, e lamenta que sua história seja deturpada por fins puramente comerciais”, diz entre outras queixas um comunicado da semana passada de Alberto, Carolina e Stéphanie, os três filhos de Rainier III e Grace Kelly. E precisamente a acusação de modificar a história é a que fez com que Dahan declarasse na segunda-feira que se sente “insultado” pela realeza.

Os Grimaldi, que na realidade vêm atacando o filme desde janeiro de 2013, lamentam também que suas observações não sejam levadas em consideração. Em resposta a um e-mail deste jornal, o principado recusou conceder entrevistas com membros da casa real e reenviou o comunicado.

O filme tem Nicole Kidman na pele da mítica atriz e princesa em uma encruzilhada chave de sua existência: era 1962 e, por um lado, o principado brigava com a França e o general De Gaulle, indignado por todos os franceses que mudavam a sua residência ao minúsculo paraíso fiscal. Por outro, Kelly, retirada do cinema há anos, recebeu o roteiro de Marnie, a tentativa definitiva de Alfred Hitchcock de devolver à tela a sua musa, com quem rodou Crime perfeito, A janela indiscreta e Ladrão de Casaca. Rainier, que tinha se oposto em outras ocasiões ao seu regresso ao cinema, deu seu aval, mas ministros e a população de Mônaco se opuseram até o ponto de levar Kelly a recusar a oferta do mestre do terror.

Dahan, autor do premiado Piaf - Um hino ao amor, declarou ao Le Parisien que a reação da realeza lhe parece “um pouco desproporcionada” e que os Grimaldi foram recebendo várias versões do roteiro e “sugerido modificações”, algumas das quais teriam sido adotadas.

Um trabalhador que participou durante dois meses na recriação do apartamento do casal real se mostra surpreso e acha engraçada a reação da família. E revela um episódio curioso: “A equipe do filme foi ao palácio dos Grimaldi para gravar diretamente ali os interiores. Mas descartaram essa possibilidade porque pareceu uma causa perdida. Tanto que reconstruímos seus 300 metros quadrados em Amberes”. O mesmo empregado relata que, no final de 2012, produção e família real alcançavam aparentemente um acordo, que depois, evidentemente, degringolou. “É uma representação de Rainier e Grace que não é fiel, é novelada”, sublinha.

Curiosamente, há um ponto em que a família real, Dahan e até Kidman coincidem. “Em nenhum caso pode ser considerado um filme biográfico”, sublinham Alberto, Carolina e Stéphanie em seu comunicado. E o mesmo foi dito tanto pelo cineasta como pela atriz em várias entrevistas. “Não sou nem um historiador nem um jornalista e não fiz um filme biográfico. É cinema”, assegurou Dahan. Kidman foi além e defendeu que entende as queixas da realeza já que faz parte do trabalho dos filhos “proteger os pais”.

Nicole Kidman e Tim Roth, em uma cena de 'Grace de Mônaco'.
Nicole Kidman e Tim Roth, em uma cena de 'Grace de Mônaco'.

Proteger seu filme é, por outro lado, a tarefa que de Dahan. Porque ao fogo real acrescentam meses de disparos –supostamente- amigos. Harvey Weinstein, o todo-poderoso distribuidor norte-americano de Grace de Mônaco, atrasou algumas vezes a estreia do filme (inicialmente previsto para meados de 2013) já que, a seu modo de ver, não podia ser lançado tal e como estava. Isso desencadeou em algo que marcou o começo do conflito entre Dahan e Pierre-Ange Le Pogam, produtor do filme. “Queríamos mostrar uma situação real de crise entre Grace Kelly e seu marido enquanto ele queria um conto de fadas”, denunciou Le Pogam ao Le Parisien.

O cineasta foi menos diplomático ainda e, falando com o Libération, tachou de “pilha de merda” e de “catastrófica” a versão de Weinstein. Entre tantas polêmicas, o filme foi seguindo seu percurso e já foi vendido a vários países e, no entanto, ainda se desconhece seu futuro nos Estados Unidos. Weinstein tentou vender seus direitos a outra revendedora, segundo publicou a Variety, mas finalmente abandonou a tentação. Falta ver como Grace de Mônaco vai estrear nos EUA. Em Cannes, por outro lado, as decisões já estão tomadas. O responsável pelo festival, Thierry Frémaux, deixou isso bem claro: “Será vista a versão do diretor, a única que existe”.

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