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O Uruguai regulamenta produção e venda de maconha

O decreto que regulamenta a produção e comércio da cannabis entra em vigor na terça-feira Antes do fim do ano será possível comprar um máximo de 40 gramas por mês nas farmácias por menos de um dólar o grama

Francisco Peregil
Duas pessoas supervisionam plantas de maconha em Montevidéu.
Duas pessoas supervisionam plantas de maconha em Montevidéu.REUTERS

“Alguém tem de ser o primeiro”, dizia o presidente uruguaio, José Mujica, quando lhe perguntavam por que havia decidido regulamentar o comércio da maconha. E, finalmente, o Governo de Mujica apresentou na sexta-feira a lei de 104 artigos mediante a qual regulamentará a produção, distribuição e venda da maconha. Já se sabe qual será o preço, a quantidade máxima que se poderá cultivar em casa ou em clubes, o que se poderá comprar na farmácia e até a forma como os consumidores deverão identificar-se. A norma será aprovada na segunda-feira pelo Conselho de Ministros, dentro de duas semanas serão convocadas empresas que desejem cultivar a cannabis e, se tudo transcorrer conforme o previsto, no começo de dezembro se poderá comprar nas farmácias até um máximo de 10 gramas de maconha por semana, por pessoa.

Haverá três formas de acesso à maconha: na farmácia, mediante o cultivo em casa e associando-se a um clube de consumo. O secretário-adjunto da Presidência, Diego Cánepa, explicou na sexta-feira que o preço oscilará entre 20 e 22 pesos uruguaios. Ou seja, entre 0,87 e 0,95 dólar. Portanto, o preço máximo de compra por mês rondará os 35 dólares por pessoa.

Como o Governo vai fazer para que ninguém compre mais do que o permitido? Esse foi um dos pontos mais polêmicos da norma. Para isso, o Governo apresentou três possibilidades: um carnê, um “cartão com um chip” ou um algoritmo que traduza em cifras a impressão digital de cada pessoa. Alguns consumidores fizeram objeções, deixando claro que não desejam que seus nomes constem em nenhuma lista. Por fim, o Governo optou pela impressão digital.

“O requerente”, explicou Cánepa, “vai se dirigir a qualquer repartição do Correio e se registrar por intermédio de um funcionário público que vai pedir seu documento. O funcionário fará o registro, utilizando o software que permitirá enviar as informações sem que o documento fique na base de dados. Depois, vai captar as impressões digitais dos dedos indicadores. O sistema verifica a digital para ver se já não foi registrada e, se não foi, será criado um algoritmo com o qual ele será identificado.

Uma vez registrado o algoritmo, o sistema de informática concederá um número a cada usuário. Logo, explica Cánepa, “a pessoa poderá ir à farmácia e solicitar a compra de até 40 gramas mensais de maconha. O farmacêutico terá um terminal no qual colocará a digital e identificará o algoritmo sem que apareçam os dados pessoais da identidade. E o sistema estabelecerá se a pessoa está autorizada a comprar”.

Nas farmácia, os recipientes de venda não poderão ter mais de 10 gramas. E cada um trará uma advertência sobre o risco do consumo do produto para a saúde. A polícia poderá realizar controles de tráfego mediante aparelhos que indicarão as doses fumadas pelo condutor. E serão aplicadas as mesmas multas impostas por excesso de álcool. Será proibido o consumo de maconha nos mesmos lugares onde se proíbe fumar. E os empresários poderão realizar exames de controle dos empregados para verificar se eles consumiram maconha.

Quanto à produção doméstica, a lei permite que se plantem até seis mudas de maconha por residência. Nos clubes de maconha poderão ser cultivados até 99 pés da planta-fêmea. Cada clube não poderá ter menos de 15 sócios nem mais de 45 e cada membro poderá receber até 480 gramas de maconha por ano.

As plantações serão feitas em um prédio militar cuja localização permanece secreta por razões de segurança. Dentro de duas semanas o Governo publicará o edital de licitação para as empresas privadas interessadas em se encarregar do cultivo. Cánepa indicou que serão dadas de duas a seis licenças. Calcula-se que a extensão do cultivo necessário rondará os 10 hectares para plantar um máximo de 22 toneladas. Cánepa prevê que “não haverá um aumento de consumo, mas um consumo muito mais visível”.

Os cultivadores de maconha no Uruguai, reunidos na associação AECU, elogiaram o preço imposto pelo grama de maconha, informa Magdalena Martínez: “O preço está adequado para competir com o mercado negro com um produto de melhor qualidade e ao mesmo preço; era disso que se tratava”, afirmou Juan Vaz, porta-voz da Associação de Estudos Canábicos do Uruguai. Vaz qualificou como “muito inteligente a ideia de limitar no início a compra semanalmente para evitar uma provisão indevida e que todo mundo comece a comprar maconha”.

Falta ainda resolver os casos de pessoas que permanecem na prisão por cultivar maconha. Vaz, que passou um ano na prisão entre 2007 e 2008 por cultivo ilícito, explica que a AECU acompanha o caso de duas pessoas, mas sua libertação não será automática. “O assunto depende dos juízes e a justiça é independente. A nova lei obriga a registrar-se e está claro que esses dois condenados não estavam registrados.” O presidente do Uruguai expressou recentemente seu desejo de que não haja mais pessoas presas no país por cultivo de pequenas quantidades de maconha.

Não foi fácil para José Mujica aprovar essa norma. Durante quase dois anos aguentou críticas que citavam “incongruências”, “contradições” e “falta de sentido”. Até mesmo o ex-vice-presidente Tabaré Vázquez, socialista, propulsor da lei que proíbe fumar em espaços públicos, declarou: “Os países que legalizaram a maconha estão voltando atrás porque a experiência não foi boa”.

Mas Mujica não retrocedeu. Em junho de 2012, afirmou: “alguém tem de começar na América do Sul. Porque estamos perdendo a batalha contra as drogas e o crime no continente (...) Faço isto pelos jovens, já que as formas tradicionais de abordar esse assunto não deram resultado até agora. Temos de encontrar outra maneira, ainda que alguns considerem isto ousado. O Uruguai é um país pequeno, onde se podem fazer as coisas de modo mais fácil. Não são tão grandes como no Brasil”.

Por fim, esse país laico de 3,2 milhões de habitantes e 13 milhões de vacas aprovará na segunda-feira a primeira lei que regula a produção e venda de maconha. Será o primeiro na América do Sul.

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