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Aquilino Morelle, o ‘Pequeno Marquês’, debilita ainda mais Hollande

O principal assessor político do presidente é forçado a se demitir após ser acusado pelo Mediapart de conflito de interesses, de beber o vinho mais caro do Palácio do Eliseu e de ter um engraxate pessoal

Manuel Valls e Aquilino Morelle, em uma foto de 2012.
Manuel Valls e Aquilino Morelle, em uma foto de 2012.BENOIT TESSIER (Reuters)

Depois de nomear e se ver obrigado a demitir um ministro da Fazenda que tinha uma conta secreta na Suíça, François Hollande confrontou nesta sexta-feira a segunda demissão de um colaborador próximo. Seu principal assessor político, Aquilino Morelle Suárez (Paris, 1962), filho e neto de imigrantes espanhóis, teve de deixar seu cargo apenas 24 horas depois de o site Mediapart publicar uma investigação em que ele foi acusado de receber pagamentos ilegais da indústria farmacêutica quando era inspetor de um órgão público de Saúde. A reportagem revela também que Morelle, redator ocasional dos discursos do presidente, utilizava um subordinado para essa tarefa e tinha contratado um engraxate pessoal que encerava seus 30 luxuosos pares de sapatos uma vez por semana em um salão do Palácio do Eliseu.

Antes de apresentar sua demissão, Morelle negou, na sua conta do Facebook, que tenha incorrido em conflito de interesses, e afirmou que “como servidor público há certas atividades à margem da Administração que estão permitidas pela lei”.

Mas, segundo o artigo publicado na quinta-feira pelo Mediapart, Morelle recebeu em 2007 a quantia de 12.500 euros (38.634 reais, pelo câmbio atual) para assessorar a Lundbeck, um laboratório dinamarquês, ao mesmo tempo em que elaborava um relatório para a Inspeção Geral de Assuntos Sociais (IGAS) em que questionava a relação entre a indústria farmacêutica e a política, exigindo uma maior transparência.

O site investigativo afirma que Morelle “fez todo o possível para ocultar” essa dupla atividade, já que criou uma sociedade de fachada, depois posta no nome do seu irmão, para receber honorários do laboratório, sem ter jamais solicitado a autorização necessária para efetuar esse trabalho de assessoria privada.

Além disso, o Mediapart traça um perfil demolidor de Morelle, muito distante da República sóbria e exemplar que Hollande prometeu durante a campanha presidencial. A reportagem conta que, no Eliseu, Morelle era conhecido como “o Pequeno Marquês”; que usava motoristas da Presidência para assuntos pessoais; que toda semana chamava ao Eliseu um engraxate para lustrar seus sapatos; e que abria caras garrafas de vinho da adega do palácio – adega que Hollande mandou vender parcialmente há alguns meses –para simples almoços de trabalho.

A renúncia de Morelle acalmou os ânimos dentro do Partido Socialista francês, que saiu fraturado das recentes eleições municipais e desconfia cada vez mais abertamente da política econômica de viés neoliberal adotada por Hollande.

Durante sua primeira viagem oficial depois das eleições municipais, o presidente afirmou em Clermont-Ferrand que a demissão foi “a única opção possível” para que seu assessor possa “esclarecer” os fatos apontados, e acrescentou que Morelle havia “trabalhado bem” durante os dois anos passados na Presidência, embora caiba “a ele, e só a ele”, responder sobre “o que fez antes” de chegar ao Eliseu.

Hollande também deixou no ar uma frase que seus adversários poderão possivelmente evocar dentro de alguns anos; o presidente afirmou que, se não conseguir reduzir o desemprego, “não haverá nenhuma razão” para que volte a ser candidato na eleição presidencial de 2017.

O novo tropeço do presidente mais impopular do último meio século sem dúvida contribui para a debilidade de Hollande. O novo primeiro-secretário dos socialistas, Jean-Christophe Cambadélis, havia deixado claro pela manhã que Morelle não tinha outra opção senão se demitir caso não oferecesse rapidamente um argumento sólido para se defender das graves acusações. E os Verdes, antigos sócios de Governo dos socialistas, também haviam criticado abertamente o assessor.

Amigo de Valls

Diplomado pela Escola Nacional de Administração (ENA) e médico de profissão, Aquilino Morelle é um bom amigo de Manuel Valls, de quem foi colega como assessor no Gabinete do primeiro-ministro socialista Lionel Jospin (1997-2002). Morelle fez uma visita a Valls hoje, antes de tomar sua decisão de renunciar. Conforme relatou o entorno do primeiro-ministro, este lhe recomendou que deixasse o Eliseu para que possa “responder livremente às perguntas da imprensa”.

Há alguns meses, Morelle contou sua história familiar em uma reportagem publicada pelo EL PAÍS Semanal. Seus avós, oriundos das localidades asturianas Mieres e Sama de Langreo, migraram para a França nos anos 1920, mas em 1936 voltaram de férias à Espanha; ali foram surpreendidos pelo início da Guerra Civil, e passaram anos sem poder retornar ao seu país de adoção. Seus pais se instalaram em Belleville, um bairro proletário do norte de Paris, no final dos anos 1950.

Seu pai trabalhou como operário na fábrica da Citroën em Nanterre, a oeste da capital, enquanto sua mãe se ocupava de cuidar dos sete irmãos. “Criaram-nos com uma lógica de assimilação total, sem nostalgia da Espanha, com a ideia de que tínhamos que ser mais franceses que os franceses, e eu me entreguei de corpo e alma a essa ideia”, disse Morelle naquela reportagem.

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