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O mercado brasileiro maltrata Guido Mantega

Ao completar oito anos no cargo de ministro da Fazenda, o titular da pasta procura restabelecer a credibilidade perdida

Carla Jiménez
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, nesta segunda-feira em São Paulo.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, nesta segunda-feira em São Paulo.Marcos Mendez (EFE)

O aniversário de oito anos no cargo de ministro da Fazenda caiu numa semana inoportuna para Guido Mantega, prestes a completar 65 anos de vida. O ‘mais longevo’ titular da pasta da democracia está celebrando a efeméride em meio à ressaca da notícia de rebaixamento da nota de crédito do Brasil, na última segunda-feira. A avaliação revisada pela agência Standard & Poors, de BBB para BBB-, se estendeu às estatais Petrobras e Eletrobras, e a outras 13 instituições financeiras do país, o que aumenta a sensação de incapacidade para o antigo ‘queridinho’ do mundo.

No mesmo dia em que ele completou os oito anos no cargo, na quinta-feira, 27, teve de assistir à queda do dólar, e à alta das ações na Bolsa de Valores de São Paulo. Na manhã desta sexta-feira, a Bolsa manteve seu movimento de alta, apoiada pela alta dos papéis ligados às empresas de energia. Deveria ser uma boa notícia, por revelar que os donos do capital estão menos avessos aos papéis brasileiros. Mas, muitos especialistas interpretaram que era uma resposta aos resultados da pesquisa de opinião CNI/Ibope, que mostraram queda da avaliação positiva da presidenta Dilma Rousseff, de 41% em dezembro, para 36%.

Várias razões contribuíram para essa aversão, que colocam Mantega no centro dos acontecimentos. Ao menos dois fatores destacados pela S&P, por exemplo, seriam de responsabilidade direta do estilo Mantega. A falta de credibilidade na política fiscal e o investimento produtivo baixo do país – 18,3% do PIB - seriam consequência da má gestão da equipe econômica do Governo Dilma Rousseff. O país, que cresceu 2,3% no ano passado, está às voltas com desafios árduos. A projeção para a inflação do Banco Central, por exemplo, divulgada nesta quinta-feira, é de 6,1% para o ano, muito perto da meta inflacionária. Para reduzir o ímpeto da alta de preços, os juros voltaram a ficar entre os maiores do mundo, em 10,75%, o que ao mesmo tempo inibe o desempenho da economia. Some-se a isso, fatores externos que conspiram negativamente, como os problemas na Venezuela e na Argentina, importadores do Brasil, assim como a desaceleração da China, o que já afeta a balança comercial brasileira, que já acumula um déficit de US$ 6,244 bilhões de janeiro até a terceira semana de março.

Diante desse quadro, os entrevistados ouvidos pelo EL PAÍS são unânimes em apontar que houve erros na condução da pasta nestes últimos anos, ao se preocupar demais em incentivar o consumo e menos em dar condições para que o setor privado invista, e assim encontrar o ponto de equilíbrio nessa equação. Mas, alguns interlocutores defendem ardosamente a qualidade técnica do titular da Fazenda. “Ele só ama duas coisas na vida: economia, e a esposa dele”, comenta um representante da indústria, que já sentou várias vezes à mesa com Mantega para negociar. Segundo ele, um ótimo ouvinte, que leva em consideração todas as ponderações que lhe são apresentadas, ainda que as decisões que precisa tomar caminhem em velocidade diferente da necessidade.

Ao menos dois fatores destacados pela S&P, por exemplo, seriam de responsabilidade direta do estilo Mantega. A falta de credibilidade na política fiscal e o investimento produtivo baixo do país

Um colega economista, que o conhece há algumas décadas, dos tempos em que ele lecionava na Fundação Getúlio Vargas, resume seu momento atual de outra forma: “Se ele errou, foi por excesso. E não por omissão”. Excesso talvez seja uma boa palavra para sintetizar uma característica de Mantega. O ministro padece algumas vezes de um otimismo exagerado que enlouquece o frio mercado financeiro, que se atém mais a números e menos a emoções. Foi assim no ano passado, quando a Fazenda prometeu um superávit primário de 3,1% inicialmente, projeção esta revista duas vezes, até fechar 2013 em 1,9%. Seus erros tornaram-se famosos.

Ao longo dos dois mandatos, falou em excesso, o que aumentou a desconfiança sobre a sua visão econômica. “Minha previsão é que cresceremos 5,5% em 2011”, disse ele. O país cresceu minguados 2,7% no ano seguinte. “Ele não está lidando com amadores, mas com gente que estuda isso todo dia”, diz um alto executivo de banco, um dos que torcem para que Mantega saia do posto o quanto antes, por considerer que ele “atrapalha” o país.

A torcida para que ele vá embora cresce a cada resultado decepcionante da economia, e a imprensa mundial já pediu a sua cabeça algumas vezes. Dizem que é exatamente essa pressão que aumenta a sua longevidade, pois Rousseff, assim como seu ministro, gosta de nadar contra a corrente. Mas, entre críticos e defensores, há um ponto que é consenso geral sobre a atuação do ministro. Ele estendeu demais uma fórmula vencedora do Governo Lula para o Governo Rousseff, o que explicam os resultados frustrantes de um PIB de 2,3%, muito modesto para um país emergente.

Os entrevistados ouvidos pelo EL PAÍS são unânimes em apontar que houve erros na condução da pasta nestes últimos anos, ao se preocupar demais em incentivar o consumo e menos em dar condições para que o setor privado invista

Seu papel, nestes dois mandatos consecutivos, pode ser comparado, no mundo futebolístico, ao da dupla de técnicos Carlos Alberto Parreira e Mário Zagallo nas Copas do Mundo de 1994 e 1998. Na primeira, o Brasil entrou em campo com um esquema defensivo, duramente criticado (o famoso 4-4-2), mas que no final das contas, garantiu ao país o tetracampeonato. A dupla vencedora, que viria a comandar a seleção novamente quatro anos depois. Pois a estratégia defensiva foi repetida. Mas desta vez, o Brasil não ergueu a taça, ainda que tenha chegado à final.

Mantega também foi duramente criticado quando nadou contra a corrente para colocar em pauta uma política anticíclica, em plena crise mundial, em 2009. Sob o comando do ex-presidente Lula, ele aliou o incentivo fiscal a indústrias, com expansão de crédito para atender à demanda reprimida por carros e eletrodomésticos no Brasil. Deu certo. A ousadia fez o país erguer a taça do sonhado “PIB chinês”, de 2010, quando o Brasil cresceu espantosos 7,5%, enquanto o mundo desabava. Brigou para aumentar as reservas do Banco Central no período, que estão hoje em 376,6 bilhões de dólares e significam um fator de segurança importante para o país em tempos de volatilidade.

O sucesso era incontestável. A euforia com o Brasil era tanta, que em 2011 a mesma S&P elevou a nota de risco de estável para positiva. O ministro, porém, cuidou de repetir a fórmula que se mostrou vencedora durante o Governo Lula, estimulando o consumo. E mesmo com pleno emprego, e uma renda crescente, o país não ocupa o pódio dos PIBs vencedores. É o mesmo que ser vice numa Copa do Mundo.

Há quem atribua os erros, na verdade, à presidenta Rousseff – assim como os acertos anteriores seriam mais de Lula – pois o estilo de Mantega é na verdade passivo, a ponto de se sujeitar ao que a presidenta deseja, sem contestar. “Ele engole muito sapo, por isso continua no cargo”, diz um ex-colega da Esplanada dos Ministérios. Outros, porém, garantem que ele tem muito mais poder do que se supõe, com influência não só nas decisões da presidenta, mas também dos bancos públicos, fundos de pensões, e na Petrobras, onde é presidente do Conselho da Administração.

Seria essa a razão do seu currículo extenso no ministério, um fato inédito para um país que teve 15 ministros da Fazenda desde 1985, em função da instabilidade monetária que perdurou até o plano real em 1994. Fernando Henrique Cardoso e Getúlio Vargas também ocuparam esse cargo. Mantega, porém, não tem pretensões de ir além.

Ele não tem dado a margem a especulações se ficaria para um terceiro mandato, caso Rousseff seja reeleita. Mas, as repetidas críticas a seus excessos têm feito com que Mantega mude o discurso. No começo do ano, anunciou um superávit de 1,9%, “para acalmar os nervosinhos", disse. Trazia uma meta mais realista, para não comprar mais brigas. Ele também tirou o consumo do foco principal, numa clara correção de rota. “Os investimentos vão puxar o crescimento este ano, e o consumo crescerá menos”, projetou Mantega, durante sua visita a Davos, no mês de janeiro. Agora, é esperar para ver se ele terá tempo para fazer as pazes com o mercado.

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