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Venezuela faz racionamento de alimentos subsidiados à população

O desabastecimento de produtos básicos força o Governo a limitar as compras

Redes de alimentos do Estado venezuelano terão racionamento.
Redes de alimentos do Estado venezuelano terão racionamento.Arquivo (EFE)

O Governo de Nicolás Maduro tem evitado admitir, mas o desabastecimento na Venezuela piora a cada dia. O índice de escassez, um indicador divulgado pelo Banco Central da Venezuela uma vez por mês, não é revelado desde janeiro. Sem a pressão da opinião pública, concentrada em comentar os distúrbios gerados pela oposição e a agressiva e desproporcional resposta da polícia antimotins, o chavismo pôde escapar da abordagem de um problema crônico.

Mas nesta semana, em uma tentativa de retomar a rotina do país, abalada depois de cinco semanas de protestos, o Governo retomou o assunto quando o ministro de Alimentação, Félix Osorio, anunciou que ficarão restritas as compras de alimentos básicos aos clientes da rede de supermercados e abastecimento do Estado (Mercal, Pdval, Supermercado Bicentenario e Abastos Venezuela).

O plano consiste em tomar os dados e a impressão digital do cliente para evitar que compre por dias consecutivos os produtos da cesta básica que o Estado quase presenteia para tratar de ganhar o apoio político. No Governo ninguém fala de racionamento, preferindo se centrar na promessa incerta de que com um cartão—chamado de Cartão de Abastecimento Seguro, que começará a ser expedido em 1o de abril— o comprador poderá adquirir o que precise sem penar por vários supermercados. É o eufemismo que utilizaram para dissimular um plano com reminiscências de Cuba no Período Especial em Tempo de Paz, com o desmantelamento da União Soviética.

O ministro Osorio não determinou quantos dias os clientes deverão esperar entre uma compra e outra —não serão menos de quatro nem mais de sete, segundo adiantou na sexta-feira em uma coletiva de imprensa— nem quando entrará em vigor a medida. Tem algo muito claro: nos supermercados e redes de abastecimento do Estado não podem ser comprado alimentos da cesta básica todos os dias. “O que quiser comprar cem frangos que os adquira em outra parte”, explicou.

O Governo edificou uma mensagem que invoca a lembrança de Hugo Chávez para justificar uma decisão antipopular, mas também não deixa de apelar à estratégia mais tradicional de comércio para seduzir os clientes. Haverá prêmios e descontos para os clientes que se inscreverem no plano. O falecido caudilho costumava dizer que no socialismo bolivariano há que aprender a “viver vivendo”, uma expressão que convidava seus seguidores a consumir o necessário e evitar o consumismo, tão consubstancial à alma venezuelana. “Não se precisa comprar dois quilos de açúcar para viver e quem o fizer é um bachaquero [contrabandista]”, completou Osorio.

A tudo isso o Gobierno soma um argumento bem mais racional, embora fraco, que pretende maquiar seu péssimo desempenho econômico: o maior poder de consumo das classes populares é a causa do baixo nível dos estoques. Em junho de 2013, a FAO (a agência da ONU para a alimentação e a agricultura) destacou a Venezuela porque o país reduziu à metade a porcentagem e o número de pessoas desnutridas ou famintas muito antes da meta prevista pelo organismo para 2015.

Desde 2007, a Venezuela registrou uma porcentagem de desnutrição próxima a 5%, abaixo da meta de 6,7%, e conseguiu diminuir o número de pessoas com fome de 2,7 milhões em 1990 para menos de 1,3 milhão em 2007. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), 94,6% da população consome ao menos três refeições por dia; 5,6% fazem no mínimo quatro; e 11,6% ingerem cinco. Essa tendência, de acordo com o INE, percebe-se em todos os estratos socioeconômicos do território.

Esse raciocínio oculta os argumentos do setor privado, que tem a hegemonia da produção, para explicar a queda da produtividade. Há mais de uma década o Governo mantém regulado o preço dos alimentos básicos e decide arbitrariamente, e não sempre de forma sistemática, quando e em quanto aumentá-los. O Estado, além disso, não permite às empresas que decidam livremente onde despachar os seus produtos e regula o transporte através da Superintendência de Silos, Armazéns e Depósitos Agrícolas (Sada), que emite um roteiro de mobilização que especifica o destino da carga em função de seus interesses políticos.

Também não entrega as divisas para se adquirir a matéria-prima porque foi ficando sem dinheiro devido à diminuição dos rendimentos do setor petroleiro.

Para reparar essa situação, o Governo decidiu desde 2008 importar insumos para vendê-los aos produtores nacionais. A medida também não aumentou os níveis de produção, como espera o Governo. A crise de abastecimento o obrigou a importar alimentos que demoram muito tempo em sair de suas embarcações devido aos entraves burocráticos nos portos.

Tudo isso explica o motivo de as prateleiras dos supermercados estarem vazias e a mudança no padrão de consumo dos venezuelanos. Os clientes compram hoje bem mais dos que precisam porque não sabem quando voltarão a aparecer os bens de sua preferência. Muitos têm notado na revenda a preços de mercado uma oportunidade de negócio, tanto na Venezuela como na Colômbia.

Faz um mês, em uma trilha que interliga a fronteira entre ambos os países tombou um caminhão que transportava alimentos regulados da rede estatal Mercal, quando tentava ingressar de forma ilegal nesse país. A firma Datanálisis assegura que na última semana de fevereiro a escassez dos produtos básicos regulados pelo Estado chegava a 47,7%. “E durante este mês aumentou”, afirma a este diário o diretor do instituto, Luis Vicente León. Os cidadãos começam a pagar com mais contratempos as consequências do caótico caminho para o socialismo.

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