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Bachelet retoma o poder no Chile

A maturidade democrática marcou a mudança de comando entre Sebastián Piñera e a mandatária socialista

Isabel Allende e Michelle Bachelet, sorridente com a faixa presidencial.
Isabel Allende e Michelle Bachelet, sorridente com a faixa presidencial.Felipe Trueba (EFE)

A alegria se infiltrou na pompa institucional. O protocolo no Chile define que a cerimônia de mudança de comando entre presidentes deve ser rígida, sem espaço para discursos nem declarações de intenções. No entanto, a nova presidenta, a socialista Michelle Bachelet, não tirou o sorriso do rosto nos 45 minutos do ato. Tinha motivos. A história parecia fazer jus ao mandatário deposto Salvador Allende (1970-1973), ao seu fiel general Alberto Bachelet, morto depois de ser torturado pelos pinochetistas em 1974, e a todos que lutaram pela chegada da democracia em 1990. É a segunda vez em 24 anos que a formação entrega o poder a seus opositores. A anterior foi há quatro anos, quando Bachelet entregou a faixa presidencial a Sebastián Piñera e, em ambas as ocasiões, foi evidente a maturidade democrática chilena.

A cerimônia de posse foi celebrada no Congressso de Valparaaíso, a 120 quilômetros de Santiago, onde o regime de Augusto Pinochet trasladou o poder Legislativo. Pela primeira vez em dois séculos uma mulher assumia a presidência do Senado. A socialista Isabel Allende, de 69 anos, se emocionou ao lembrar de seu pai: “Sei que ele estaria orgulhoso de ver sua filha na cadeira presidencial”, declarou. E pela primeira vez, uma mulher voltava a ser presidenta, depois de ocupar o cargo entre 2006 e 2010.

Foi Allende a encarregada de prestar juramento a Bachelet: “Senhora presidenta eleita, jura ou promete desempenhar o cargo de presidente da República fielmente, conservar a independência da Nação e manter e fazer com que se mantenham a Constituição e as leis?”. E a nova presidenta de um país onde 67% se considera católico, o aborto está penalizado e onde não há matrimônio homossexual, escolheu prometer ao invés de jurar.

Compareceram ao ato o presidente equatoriano, Rafael Correa, o uruguaio, José Mujuca, a argentina, Cristina Fernández, a brasileira, Dilma Rousseff, o vice-presidente dos EUA, Joe Biden e o príncipe espanhol Felipe de Borbón, entre muitos outros dirigentes. “Isso reforça a tendência progressista da nossa América Latina”, disse Correa depois da cerimônia, em referencia aos líderes de esquerda presentes no Congresso chileno.

A ausência mais notada foi a do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que renunciou à viagem de última hora, sem precisar a razão. Bachelet, que na segunda-feira teve 22 reuniões bilaterais com os presidentes convidados, tinha previsto se reunir com Maduro, apesar de que a crise política venezuelana haja fraturado os partidos que a respaldam.

Os cristãos-democratas condenaram o regime chavista, o Partido Comunista apoiou e a mandatária preferiu tomar uma posição morna: “Minha administração oferecerá apoio ao Governo e ao povo da Venezuela para realmente procurar as bases democráticas, de diálogo, de paz social, para que os próprios venezuelanos possam encontrar esse caminho”, disse Bachelet há alguns dias. Neste momento ainda não havia ocorrido a morte de uma chilena de 47 anos que recebeu um tiro na cabeça enquanto tentava desfazer uma barricada no estado de Mérida.

A tomada de posse não foi o único acontecimento vivido no Congresso Nacional. No Senado e na Câmara os novos parlamentares prestaram juramento, entre eles a comunista Camila Vallejo, rosto dos protestos sociais de 2011. A geógrafa de 25 anos, que se converteu na deputada mais jovem, assumiu ao lado de outros três ex-dirigentes do movimento estudantil. Como Bachelet, a nova congressista também prometeu. A sala de honras onde a troca de mandato foi realizada estava cheia. Tem capacidade para 400 pessoas, mas acolheu 800. Teve que abrir espaço para delegações como a argentina. Foi a mais numerosa, já que Cristina Fernández surpreendeu a oposição convidando seus representantes para viajar com ela ao Chile.

O ex-presidente Sebastián Piñera se retirou na cerimônia conduzindo seu próprio carro e cercado pelos incidentes protagonizados por um grupo de militantes das Juventudes Comunistas, instalado fora do edifício. O empresário deixa o palácio de La Moneda com 50% de apoio e não nega suas intenções de se candidatar ao Governo por mais quatro anos. Disse isso durante um ato falho, quando se despediu da guarda do palácio presidencial com um “até logo”.

Poucas horas antes de deixar o Executivo e se converter oficialmente em ex-presidente, assinou um decreto que possibilitou aos funcionários de seu Governo eliminar e-mails pessoais dos servidores públicos. A Promotoria de Santiago, que tem investigações pendentes em oito ministérios, ordenou aos funcionários destas pastas que “não apaguem nem eliminem” os arquivos. A Administração de Bachelet também reagiu incomodada: “É um péssimo sinal em matéria de transparência e constitui um incumprimento do próprio compromisso do Presidente de que entregaria toda a informação às novas autoridades”, afirmou o porta-voz do Governo, o ministro Álvaro Elizalde. Foi a nota desagradável em uma jornada marcada por uma posse respeitosa.

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