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A segunda vida de Yoko Ono começa depois dos 80

Em paz com McCartney e otimista sobre a evolução do mundo, a administradora de parte do legado dos Beatles inaugura nesta semana uma ampla retrospectiva no museu Guggenheim de Bilbao

Jesús Ruiz Mantilla
Yoko Ono, em julho do ano passado.
Yoko Ono, em julho do ano passado.L. Jackson (Reuters)

Ninguém diria, se a observasse caminhar lentamente, vestida de preto, diminuta, com um maravilhoso chapéu de cachemir, óculos escuros e casaco, que essa anciã amável e sorridente se aproximando de seu esconderijo de Broome Street —no Soho nova-iorquino— é Yoko Ono. Mas sim, poderíamos ter uma ideia de que ela se encontra serena e em paz, após ter sido de tudo. Desde artista ativista, adolescente com tendências suicida, mulher alvo, culpada por centena de milhares por todos os males, “dragon lady”, diz ela, ou “a bruxa”, como ela mesma reivindicou em uma canção: Yes, I'm a witch. Tudo isso e mais um pouco, assume, embora não esteja de acordo: “Sou pacífica e pragmática”, confessa antes de viajar para a Espanha, onde no próximo dia 14 inaugura uma retrospectiva sua no Guggenheim de Bilbao.

Para a cidade basca, ela se dirige otimista e em pleno desfrute do que, admite, “minha segunda vida”. Um período que começou depois que ela completou 80 anos. Yoko resulta de perto em uma mulher amável mas brincalhona, extrovertida para certos temas, mas sutilmente evasiva para outros tantos, paciente, mas determinante, irônica sobre si mesma, sábia, em suma.

Em Bilbao poderá ser visto o trabalho que ela realiza desde os anos cinquenta: obra gráfica, desenhos, pintura, instalações... “Sessenta anos de atividade! Minha nossa”, parece se surpreender, e vai para seus devaneios com a vanguarda nova-iorquina mais radical na música —com compositores como John Cage ou Lamonte Young— a experiências com Fluxus antes de conhecer John Lennon e atrair o Beatle para o caminho da máxima experimentação que, paradoxalmente, acabou com ele como um pacífico e atarefado pai e amo de casa em seu apartamento do edifício Dakota. Ali foi onde compôs em seus últimos meses de vida esse hino ao estoicismo que se intitulou Watching the wheels e que dá ideia de sua sã posição vital antes da tragédia.

Ela mostrará os trabalhos realizados desde os anos cinquenta: desenhos, pinturas, instalações...

Muito próximo da casa onde foi assassinado no ano 80 por Mark David Chapman, Yoko foi testemunha do ódio universal que as massas professavam em grande parte por ela mesma, que foi culpada globalmente em grande parte injustamente do desaparecimento dos Beatles. É algo que até McCartney negou nos últimos tempos, saldando uma dívida histórica. “Teria ocorrido do mesmo jeito”, disse o músico. “Na realidade, não tivemos uma relação tão ruim”, comenta Yoko. “Foi a imprensa e as pessoas que mais queriam nos ver brigados, mas isso não correspondia à realidade”.

Isso talvez tenha acontecido em tempos de vida de Lennon, quando enviava cartas ferozes ao seu amigo de adolescência, o culpando do vazio tremendo que o faziam viver, tanto ele, como sua mulher Linda. Mas isso são águas passada, parece. E esse sentido prático, depois de sua morte, predominou em Yoko Ono, ainda que apenas para se ocupar de um legado que, quando o mito morreu chegava a três milhões de dólares, e, pouco depois, se converteu em 300.

Entre outras coisas, a viúva sempre disse que o fazia por Sean, o filho de ambos, que agora usa seu estúdio no Soho para atender as pessoas, já que ela se mostra resistente à ideia de receber estranhos em sua casa próxima ao Central Park. Sean colaborou em grande parte para que as bandas e os artistas indies mais arriscados de sua geração —de Peaches, Le Tigre, Polyphonic Spree, The Flaming Lips a Cat Power, Antony, Craig Armstrong ou DJ Spooky— contribuam em reivindicar a arte de sua mãe. É outra das razões pelas quais Yoko Ono sente que voltou a nascer.

Empenhada em seus aspectos pacifistas, deseja o melhor para todo mundo menos para Chapman, que faz questão de não perdoar. “Não, não o fiz”, comenta. Entusiasmada com sua exposição no Guggenheim, aproveita para insinuar que seus antepassados podem ter procedência espanhola. “Não era muito bem visto isso em meu país, essa coisa das misturas, mas os espanhóis e os portugueses se deixaram cair por Nagasaki e parece que tiveram algum contato com a minha família”. Uma família de ascendência nipônica que, apesar de contar com um pai banqueiro, não houve rejeição no fato de sua filha se converter em uma artista de vanguarda. “Em absoluto, meu pai era músico e minha mãe pintava, de modo que eles se entendiam”, explica Yoko.

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