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A MÚSICA É A MENSAGEM

Dez canções que falam sobre o aborto

Algumas a favor, outras contra. O debate sobre a interrupção voluntária da gravidez também é travado há anos no âmbito musical

Carlos Marcos
Imagen do videclip de 'My special child', de Sinéad O’Connor.
Imagen do videclip de 'My special child', de Sinéad O’Connor.

O debate do aborto é travado há anos na música. Uns a favor, outros contra, e alguns com dúvidas; como espectadores ou contando suas próprias experiências. Eis uma relação de canções que abordam o tema, começando pela última a chegar, Heaven, de Beyoncé, incluída em seu recente álbum.

1. Heaven, Beyoncé (2014)

A interrupção da gravidez tratada sob um ângulo diferente: a mulher que deseja dar à luz, mas é impedida por um aborto involuntário. Trata-se de uma experiência real da cantora. Em uma letra pessoal e tocante, Beyoncé se dirige a uma criança que afinal não nasceu: “Lutei por você. / O mais difícil me tornou mais forte. / Então me conte seus segredos. / Não suporto ver como você me deixa. / O céu não pôde esperar por você, não, o céu não pôde esperar por você”. A canção, como não poderia deixar de ser, é uma baladona lacrimogênea. No clipe, a cantora sublinha sua religiosidade: Beyoncé se ajoelha e reza em uma igreja. Heaven termina com o Beyoncé recitando Pai Nosso, em castelhano.

2. Nine-Month Blues, de Peggy Seeger (1977)

Uma das primeiras canções pró-aborto a ser verdadeiramente popular. Com tal sobrenome, essa mulher não poderia ser outra coisa senão uma lutadora pelo direito à livre escolha. Pois Peggy Seeger é meia-irmã de Pete Seeger (fundamental músico folk esquerdista, recém-falecido) e, aos 76 anos, continua comprometida com causas. Além disso, foi casada (até a morte dele) com Ewan MacColl, outro cantor folk de ideais socialistas. O “blues dos nove meses” narra a história de um casal. Ela fica grávida acidentalmente e tenta abortar. Na canção, Peggy critica duas entidades conservadoras britânicas contrárias ao aborto, a SPUC (Sociedade para a Proteção da Criança Não Nascida, na sigla em inglês) e FPA (Associações de Planejamento Familiar, também na sigla em inglês). A canção diz: “Éramos ele e eu, e com a criança seríamos três. / Mas mudamos de opinião… / A SPUC e a FPA nos disseram: ‘Fique com a criança, não a perca’./ E o médico disse que eu tinha o direito de me tratar caso eu fosse rica ou estivesse em perigo de morte. / Então fui embora dali com meus nove meses”.

3. Bodies, do Sex Pistols (1977)

Para o pouco tempo que estiveram juntos (menos de três anos) e para sua exígua produção (só um disco), os Sex Pistols levantaram uma poeira que ainda não baixou. Esta canção entra na categoria das nem pró nem contra. Na verdade, é uma história truculenta, vomitada por Johnny Rotten com muitos fuck no meio, de uma garota internada em um hospital psiquiátrico. Uma vez lá dentro, mantém relações sexuais com um enfermeiro, fica grávida e acaba abortando. Anos mais tarde, Johnny Rotten (também conhecido pelo sobrenome Lydon) esclareceu: “A canção não é nem a favor nem contra o aborto. Eu entendo os dois lados. Mas não por questões religiosas, e sim por questões humanas. A mulher é que tem que decidir”. Na estranha letra, Rotten uiva: “Era uma garota de Birmingham. / Acabava de abortar. / Era um caso de loucura. / Seu nome era Pauline. / Morava em uma árvore”. A frase que mais se repete é: “Corpos, não sou um animal”. Possivelmente nem o próprio grupo sabia exatamente o que estava cantando.

4. Adiós, Mamá, do Trigo Limpo (1977)

Neste caso há poucas dúvidas: trata-se de uma furiosa diatribe contra o aborto. De fato, a canção continuou sendo reivindicada durante décadas pelos setores anti quando a atualidade colocou o tema sobre a mesa. Um pouco de história. O Trigo Limpio foi um trio basco que nasceu em 1975 e fez bastante sucesso. Praticava um folk-pop com notáveis harmonias vocais, assessorado sempre pelo gênio da produção Juan Carlos Calderón. As letras eram outro assunto. Neste Adiós, Mamá que nos diz respeito, eles deixam-se levar pela demagogia. Quem fala é o feto. Começa com a saudação: “Olá, mamãe. / Hoje escutei sua voz pela primeira vez, e chutei seu ventre com meus pés. / Nunca vi sua cara, mas eu sei que é como sua voz, limpa e clara, torrente de luz e esperança”. Uma vez feitas as apresentações, vamos ao problema: “Sabe, mamãe, hoje ouvi que outra vez você discutia com alguém de voz rouca. / E depois chorava por mim, dizendo que eu seria um estorvo para os dois”. E a conclusão, tão sanguinolenta como alarmista: “Acredito mamãe, acredito em Deus e em você. / Mas notei uma espetada. / Doeu. / E sei que afinal já não estorvarei. / Já não a verei, banhado em sangue, sei que irei embora. / Adeus mamãe, rezarei por você. / Daqui a perdoo, embora nunca a tenha visto. / Vou embora, mamãe. / O sangue me inunda, sei que já não poderei lhe falar mais. / Adeus mamãe, eu a amo”. Algo mais a dizer sobre o Trigo Limpio? Algumas coisas. Que em outra de suas canções, Rómpeme, Mátame, o grupo canta: “Suas mãos são duas correntes, meu prazer e minha agonia. / Com uma você me dá carinho, e com outra me domina. / Prefiro sentir a espora que você me finca a cada dia a ser a flor que um dia você esqueceu numa esquina. / Por isso, me quebre, me mate, mas não me ignore a cada dia”. A interpretação dessa canção pelo Trigo Limpio levou o grupo à segunda colocação no Festival da OTI de 1977. E outra informação: o conjunto continua na ativa. Integrantes do Trigo Limpio e do Mocedades formaram há um ano o Trigo Limpio Nueva Era.

5. Operation Rescue, do Bad Religion (1990)

Em apenas dois minutos e nove segundos, o Bad Religion, banda veterana do punk californiano, acerta contas com a ultraconservadora organização antiaborto Operation Rescue. Eis uma parte da letra: “Operation Rescue, você se pergunta de onde eles vieram. / Eu me pergunto por que estão aqui… / O negócio deles é a vida eterna. / Olhem só eles brandindo as chaves da porta do seu reino”.

6. My Special Child, de Sinéad O’Connor (1991)

Se não é uma canção abertamente a favor do aborto, esse My Special Child aposta na possibilidade de optar. Sinéad tinha somente 23 anos quando escreveu essa letra (lançada um ano depois), onde conta sua experiência com a interrupção de uma gravidez. Assim se explicou a cantora irlandesa em uma entrevista: “Eu realmente não queria abortar. Estava feliz com meu companheiro quando fiquei grávida. Mas as coisas começaram a ir mal. Discutíamos muito. Ele não queria a criança. Eu sabia que ele nunca iria estar presente. Por isso decidi abortar. Não estava preparada para ter a criança”. Na letra, Sinéad não lamenta a decisão, mas se fustiga: “Penso em minha pequena menina. / Sua pele amarela e seus cachos negros. / E como o coração de seu pai estava gelado. / Falei com ela e lhe disse: ‘Não lamentarás a mãe que escolhestes’. / Menti. / Onde está ela esta noite?”.

7. Abortion is a Crime, de Alpha Blondy (1994)

Aqui está um claro exemplo de que o debate sobre o aborto ultrapassa as fronteiras ideológicas. O marfinense Seydou Koné (conhecido como Alpha Blondy) é um crítico ativo das injustiças, sobretudo nos países africanos. Para ele essa atitude é compatível com uma opinião radical contra o aborto. A canção O Aborto é um Crime, em ritmo de reggae, não deixa nenhuma dúvida: “O aborto é um crime… / Por que eles têm de pagar por nossos pecados… / Dê à mulher tudo que necessite. / Porque se não há crianças não há futuro nem raça humana. / O aborto é um crime”. A canção começa com o choro de uma criança.

8. Se Quiser, se Mate, de Shakira (1996).

A favor do aborto, ou contra? Os seguidores da cantora não estão de acordo. E os oportunistas de um e outro lado se indispõem no debate. Como a única que pode lançar luz ao assunto é Shakira, a próxima vez que a entrevistarmos (se prontifica bem pouco, a colombiana) perguntaremos a ela. Provavelmente a versão correta é que Shakira não entra no debate, mas critica o tão antiquado (e atual) “que dirão”, e a atitude pouco tolerante de algumas famílias e sociedades presas ao passado. A canção fala de jovens namorados que mantêm relações sexuais, e ela fica grávida. O casal se assusta com a provável reação violenta de seus país e vizinhos. Assim, optam pelo aborto. Esta é uma das partes principais do tema: “Nesse dia você chegou um pouco depois das dez. / Mas o susto se deu umas semanas depois, quando se confirmaram as suas terríveis suspeitas. / Uma criança nasceria e você já sabia a data. / E antes que o vizinho e a família soubessem, você foi ao doutor para acabar com o problema”. Quando escreveu essa canção, Shakira tinha apenas 19 anos.

9. O Aborto Ilegal Assassina minha Liberdade, do Fun People e She Devils (1997)

O aborto inseguro é uma das principais causas de mortalidade entre as mulheres argentinas. Assim era nos anos 1990, quando se lançou este disco, e continua sendo agora, segundo os especialistas em saúde. O diário Clarín informa que na Argentina se realiza mais de meio milhão de abortos por ano, na maioria, inseguros. As mais prejudicadas são as mulheres com menos recursos econômicos. Em 1997 as bandas de rock argentinas Fun People e She Devils se uniram e lançaram um álbum com seis canções com o título de O Aborto Ilegal Assassina minha Liberdade. São seis canções, três para cada. Em Lady, o Fun People canta: “Honey, eu sei, não é tão fácil. / Senhorita, você não está preparada. / Não tem dinheiro, não está saudável para ter um bebê. / Honey, você não quer abortar, mas não tem opção… / Mulherzinha, você não é uma mulher má por ter ficado grávida e ter pensado em abortar”.

10. Hello Birmingham, de Ani DiFranco (1999)

Aqui não há nenhuma ambiguidade. Ani DiFranco é uma férrea defensora do aborto. Em sua discografia há canções que falam claramente do assunto. Talvez a mais estremecedora seja Hello Birmingham, na qual a combativa cantora condena os acontecimentos: as bombas lançadas contra uma clínica de abortos de Birmingham, Alabama, e o assassinato de um médico que fazia abortos (Barnett Slepian) em Nova York, perto da casa da cantora, em Buffalo. Os dois fatos ocorreram em 1998. A letra diz o seguinte: “Foi só um disparo que passou através da janela daqui… / Uma bala veio visitar o médico”. E mais adiante conecta os dois sangrentos acontecimentos nesta estrofe: “Olá Birminghan, sou Buffalo. / Soube que você teve problemas. / Só estou ligando para saber o que se passou e se há alguém que entenda”.

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