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A redução da maioridade penal divide os brasileiros

Nova proposta de diminuição da responsabilidade criminal é barrada no Senado; há outras 26 proposições no Congresso

Jovens em um centro de internação, em Osasco (SP).
Jovens em um centro de internação, em Osasco (SP).Fabio Braga (Folhapress)

Entra ano, sai ano, há ao menos um assunto que nunca cai da pauta de votações do Congresso Nacional, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Mesmo depois de mais um projeto ser barrado no Senado, a discussão parece longe de chegar ao fim no Brasil.

Há mais 26 propostas de redução da punição para jovens em tramitação no Legislativo, outras quatro foram arquivadas (inclusive uma que previa a redução para 14 anos). Além disso, existe uma dezena de projetos que pretendem alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que está sob avaliação de uma comissão especial da Câmara dos Deputados.

Se dependesse tão somente da opinião pública, a redução já teria acontecido. As últimas pesquisas que questionaram sob o apoio à medida demonstraram que de 70% a 93% dos brasileiros querem que os jovens com 16 anos respondam criminalmente pelos seus atos. Desde enquetes no site do Senado (com mais de 4.000 votantes) até os institutos mais tradicionais, como o Datafolha, apontaram esse massivo apoio.

“A população acredita que a redução pode significar uma resposta ao aumento da criminalidade infantojuvenil, mas isso só não basta. Não acho que esse seja o caminho correto. Precisamos pensar em outras mudanças”, afirmou o procurador de Justiça e um dos autores do ECA, Paulo Afonso Garrido de Paula.

Nosso Código Penal é de 1940 e muito se mudou de lá para cá. Os jovens precisam ser punidos pelos seus atos de maneira responsável Aloysio Nunes Ferreira, senador, autor de um projeto para reduzir maioridade penal

O último projeto barrado, na quarta-feira passada, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado previa uma espécie de seletividade para a redução da maioridade penal. Conforme a proposição do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB de São Paulo) apenas os jovens com mais de 16 anos que cometessem crimes graves e tivessem plena consciência da importância desse delito deveriam ser punidos como adultos. Entre esses delitos estão: homicídio qualificado, estupro, terrorismo, tráfico de drogas e sequestro. Antes dos jovens serem denunciados, um promotor, baseado em um laudo de um especialista, analisaria se o adolescente poderia ser penalizado e encaminhado para uma prisão especial.

“Nosso Código Penal é de 1940 e muito se mudou de lá para cá. Os jovens precisam ser punidos pelos seus atos de maneira responsável, por isso, acredito que era necessário haver esse filtro do Ministério Público e de um especialista”, afirmou o autor do projeto.

Os críticos à proposta dizem que ela é retrógrada. “Se fosse aprovado teríamos um retrocesso de dois séculos. Ninguém discute se o adolescente tem condições de diferir o que é crime ou não”, ponderou o procurador Garrido de Paula.

Já o senador Randolfe Rodrigues (PSOL do Amapá), que elaborou um relatório paralelo que venceu a proposta de Nunes Ferreira na comissão do Senado, disse que a redução da maioridade penal combateria um sintoma da doença, que é a epidemia da violência, mas não atacaria o problema diretamente.

Reduzir a maioridade penal significa aumentar a lotação das cadeias. Estaríamos mandando crianças e adolescentes para um depósito de gente ao invés de aplicarmos a lei atual e as medidas socioeducativas Randolfe Rodrigues, senador

“Reduzir a maioridade penal significa aumentar a lotação das cadeias. Estaríamos mandando crianças e adolescentes para um depósito de gente ao invés de aplicarmos a lei atual e as medidas socioeducativas.”

A discussão sobre a redução da maioridade penal costuma voltar à tona quando algum jovem comete um delito grave. Recentemente o debate foi retomado após dois crimes, quando um adolescente de 17 anos matou um estudante com um tiro na cabeça, em São Paulo, ao lhe roubar o telefone celular, e quando outro menor, também de 17, foi apontado como suspeito participar do bando que incendiou e matou uma dentista  em São Bernardo do Campo porque ela só tinha 30 reais em sua conta bancária. Entre os criminosos é comum que um adulto atribua a responsabilidade de um delito a um jovem, já que este fica no máximo três anos internado, enquanto aquele pode ficar até 30 anos preso.

Para Rodrigues, caso o projeto de Nunes Ferreira passasse, em um curto período haveria a possibilidade de que a discussão voltasse à tona. “Quando houvesse um novo crime de repercussão cometido por um jovem de 14 anos apareceria um grupo defendendo reduzir a maioridade para 14 anos, depois para 12, 10, até termos maternidades de segurança máxima”, afirmou o senador.

Protestos

A vitória dos que defendem a manutenção da maioridade penal de 18 anos se deu porque a presidenta Dilma Rousseff convocou a tropa de choque de seu partido, o PT, para barrar a proposta de Nunes Ferreira, que é de uma legenda oposicionista.

Durante a sessão da CCJ nesta quarta-feira, aos gritos, um grupo de manifestantes contrários à redução da maioridade penal chamou o senador do PSDB. Ao que ele respondeu que fascistas eram os que o impediam de se manifestar defendendo o projeto.

Para Nunes Ferreira, aliás, a derrota de seu projeto só aconteceu porque 2014 é um ano eleitoral. “A grande maioria dos senadores queria ver essa proposta discutida no plenário, um colégio maior. Por isso vou recorrer da decisão da CCJ, mas isso não deve entrar em votação neste ano porque poucas pessoas querem se indispor em um ano que há eleições”, ponderou.

Não é reduzindo a idade penal que conseguiremos frear a violência. O aumento da criminalidade não acontece apenas entre crianças e adolescentes, mas em toda a sociedade Paulo Afonso Garrido de Paula, coautor do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Alternativas

Entre os projetos que ainda estão sob análise do Legislativo há um que embute a questão criminal dentro de uma eleitoral. O projeto prevê a alteração da idade em que o voto se torna obrigatório, porém, em um dos artigos cita que a partir dos 16 o jovem já responderá criminalmente como adulto.

Já no mar de propostas arquivadas está uma radical que queria reduzir a idade penal para 14 anos, instituir a prisão perpétua, liberar a venda de armas, extinguir a figura do indulto (perdão) de pena e tornar mais severas as punições contra quem cometer um crime hediondo. Os congressistas levaram cinco anos discutindo esse assunto antes de engavetá-lo.

Se o ditado da água mole em pedra dura prevalecer, em algum momento a mudança da maioridade penal no Brasil deverá acontecer. A alternativa para brecar essa intenção, segundo o procurador Garrido de Paula seria fazer uma revisão do ECA, aumentando a pena dos adolescentes conforme a idade deles. Por exemplo, os de 12 anos teriam uma pena menor para o homicídio do que o jovem de 17 anos. Sendo que a do adolescente de 17 anos, conforme a gravidade do crime, poderia chegar a até oito anos. Hoje, conforme uma pesquisa que está sendo analisada pela Câmara dos Deputados, quase 13% dos jovens infratores respondem por crimes graves, como homicídio, latrocínio, sequestro ou estupro. Entre os adultos, esse índice beira os 20%.

“O Código Penal não dá conta nem da idade dos adultos. Temos que admitir que as mudanças precisam ser feitas. Mas não é reduzindo a idade penal que conseguiremos frear a violência. O aumento da criminalidade não acontece apenas entre crianças e adolescentes, mas em toda a sociedade”, afirmou o especialista.

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