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Os trabalhadores deixados pelo escultor Victor Brecheret

A paixão do artista ítalo-brasileiro aflorou inspirada no Brasil, país que o acolheu, mas onde é menos conhecido do que deveria

O escultor em seu ateliê, construindo a fachada do Jockey Club São Paulo.
O escultor em seu ateliê, construindo a fachada do Jockey Club São Paulo.

Entre um milhão e meio de italianos que chegaram ao Brasil a princípios do século XX estava o pequeno Victor Brecheret (1894-1955), que viria a ser um dos maiores escultores de sua época e da história da arte brasileira. Várias obras de sua autoria estão espalhadas por São Paulo, cidade à qual chegou ainda criança acompanhado pelos tios maternos, após o falecimento da mãe na Itália, em 1900. Entre elas estão o Monumento às Bandeiras, menosprezadamente conhecido como “empurra-empurra”, próximo ao Parque do Ibirapuera onde turistas e recém-casados tiram fotos diariamente mesmo sem saber quem é o autor e a representatividade da obra. E Fauno, que se encontra entre árvores, sombras e luzes no Parque Trianon, na Avenida Paulista, uma das artérias centrais da cidade. Ainda que sua arte represente o modernismo brasileiro, diferente de outros artistas da época, não tinha seu lado político muito aceso, mesmo que sua obra representasse uma identidade brasileira genuína e diferisse da realizada na Europa, imprimindo um estilo próprio à sua escultura. "Ele retratava trabalhadores, basta olhar as mãos e os pés das figuras, grandes, de operários", explica sua filha Sandra Brecheret Pellegrini, apontando para a escultura Grande Ceia, que tem na sala de sua casa.

Na Exposição Internacional

A razão pela qual Brecheret se iniciou na arte é um mistério. Nem mesmo Sandra, pesquisadora da vida e obra do escultor, sabe precisar. Ela considera o fato “um acontecimento”, já que os tios não tinham nenhuma ligação com o mundo artístico. “Eram donos de mercearia, pessoas simples”, conta a autora de mais de dez livros sobre o pai “se sentia mais brasileiro que italiano”, mas não abria mão “de um bom vinho”, como todo bom italiano. Em 1912, então com 18 anos, ele seguiu para Roma, em uma viagem de navio que durava três meses na época, para aprender mais sobre sua paixão. Lá, virou pupilo de Arturo Dazzi, escultor italiano natural de Carrara, terra do mármore de mesmo nome, uma das matérias primas básicas para o ofício. Na capital italiana abriu seu próprio ateliê e passou a participar de exposições. Em uma delas, a Exposição Internacional de Belas Artes de 1916, ganhou o primeiro prêmio, com apenas 22 anos. Posteriormente retornou ao Brasil, em um momento prévio à realização da Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, um acontecimento artístico de vanguarda que apresentou tendências artísticas na literatura e arte, no qual participou dos preparativos ao lado dos pintores Anita Malfatti e Lasar Segall. Logo depois foi a Paris, onde continuou realizando mostras e exposições de sua obra, já influenciada pelo Art Déco com formas mais geométricas.

Na década de 30 Brecheret, que costumava assoviar enquanto trabalhava, reafirmou sua identidade desenvolvendo temas brasileiros e indígenas, que ficaram mais visíveis no resultado de sua obra da década de 40, com as esculturas Fauno e Depois do Banho, esta última, exposta em bronze no Largo do Arouche, região central de São Paulo. Esse lado estético é o que interessa a sua filha, que começou a investigar “por ver que era uma pessoa diferenciada para a época, que fez parte de uma vanguarda intelectual”, referindo-se aos amigos íntimos que possuía, entre os quais estavam a pintora Tarsila do Amaral, autora do quadro-referência à antropofagia Abaporu, e o escritor Mário de Andrade, que segundo a autora da biografia do escritor, Maria Augusta Fonseca, escreveu Paulicéia Desvairada inspirado em uma escultura de Brecheret que acabava de adquirir, de um Cristo com trancinhas.

Entre suas obras está o Monumento às Bandeiras, conhecido como “empurra-empurra”, próximo ao Parque do Ibirapuera

Outra escultura colossal de Brecheret que está a ponto de ser restaurada está no meio da Praça Princesa Isabel, próximo à estação da Luz, no centro: Monumento a Caxias que pesa 18 toneladas e foi construída na fundição do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, instituição de 140 anos que ainda funciona como escola na zona norte da capital paulistana. A técnica da fundição artística, fundamental para o trabalho de um escultor, veio ao Brasil com a Missão Artística Francesa, um grupo de artistas do país europeu que chegaram a princípios do século XIX. Posteriormente, a escola de Fundição do Liceu em São Paulo deu seguimento à expansão da criação de esculturas, que teve seu ápice entre 1948 e 1952, anos em que Brecheret completou grandes obras, como O Índio e Sasuapara (1951) e o famoso Monumento às Bandeiras, que depois de 33 anos de trabalho foi concluído em 1953 - diretamente construído no local onde está hoje. O mesmo foi pichado em outubro do ano passado, por grupos que se manifestavam contra as novas regras para demarcação de terras indígenas.

Além de ver parte de suas obras espalhadas pela cidade, é possível encontrar algumas concentradas no Jockey Clube de São Paulo, na Mooca, bairro tradicionalmente italiano, onde está a escultura Alegoria Brasileira; na fundação que leva seu nome, que se encontra fechada para reformas; e no instituto homônimo, dirigido pelo seu filho, Victor Brecheret Filho. O artista sisudo que casou tarde, aos 40 anos, "não ligava para a família, só para seu trabalho", segundo sua filha. Sua imagem permanece em registros cinematográficos e algumas fotos em seu ateliê, nas que sempre aparece com sua boina, típica dos artistas, desempenhando seu ofício. O artista que criou peças e corpos em mármore, granito, gesso, terra cota, bronze, bronze polido e patinado morreu de infarto em 17 de dezembro de 1955. E, pese aos quase cinquenta anos de sua partida, ainda hoje surpreende. Recentemente foi encontrado um vídeo (acima) com imagens da construção do Caxias, cuja proporção no solo é muito mais impressionante que vê-lo montado no cavalo, à altura de um prédio de doze andares.

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