_
_
_
_
_

Generosidade de Dilma com projetos de investimento em Cuba gera polêmica

Governo investe um bilhão de dólares em porto de Mariel, que promete abrir as portas para a exportação a países da América Central. Esforço, porém, é visto mais como ideológico que econômico

Carla Jiménez
Dilma Rousseff e o presidente cubano, Raul Castro.
Dilma Rousseff e o presidente cubano, Raul Castro.-- (AFP)

De Davos, na Suíça, para Mariel, a 45 quilômetros de Havana, em Cuba. O trajeto ainda soa emblemático, pelos ecos do passado que a ilha caribenha simboliza. Mas, para o Governo da presidenta Dilma Rousseff, e para os novos ventos que sopram com o presidente Raúl Castro, esta agenda está longe de ser um contrassenso. Depois de estrear na cúpula do Fórum Econômico Mundial na semana passada, onde mostrou sua faceta mais neoliberal, ao deixar claro que o país está aberto aos investimentos privados estrangeiros, a presidenta seguiu para a terra de Fidel Castro para inaugurar as obras do porto de Mariel, um investimento de 1,092 bilhão de dólares, que foi erguido pela construtora brasileira Odebrecht.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), instituição de fomento produtivo do Brasil, financiou 682 milhões de dólares para que a Odebrecht pudesse construir, em sociedade com a companhia Quality, vinculada ao governo cubano, um terminal internacional de contêineres, no porto de Mariel. O valor chama a atenção por superar, inclusive, o total das exportações brasileiras para Cuba: no ano passado, foram 530 milhões de dólares, com a venda de farelo e óleo de soja, além de arroz, milho, maquinário, entre outros. Os cubanos ocupam a 51a posição entre os parceiros comerciais brasileiros. O BNDES, entretanto, argumenta que se trata de um projeto que traz retorno para o banco, uma vez que ele facilita a exportação de bens e serviços de uma empresa brasileira, e recebe posteriormente o que foi emprestado com juros, que serão contabilizados como lucro do banco.

O ex-ministro do Desenvolvimento do Governo Lula, Miguel Jorge, garante que este projeto tem grande valor estratégico para o país. “O Brasil está se posicionando num momento em que Cuba está abrindo a sua economia”, diz Jorge, que foi responsável por costurar o acordo com o governo cubano e com a Odebrecht, quando era ministro. “O porto vai atrair empresas brasileiras que poderão exportar para a América Central e isso é muito importante”, afirma. A Odebrecht, por outro lado, explica ele, poderá investir em novos projetos, como um aeroporto novo em Cuba. De fato, o braço de infraestrutura da Odebrecht assinou com o Grupo de Administração Empresarial do Açúcar – Azcuba, um contrato para administração produtiva da Central Açucareira 5 de Setembro, localizada na região de Cienfuegos. A empreiteira também negocia um projeto para ampliação e modernização da infraestrutura aeroportuária de Cuba.

Desta forma, o Brasil vai tomando o espaço que antes era da Venezuela, como principal país que fomenta a economia cubana. “O Brasil quer se tornar parceiro de primeira ordem de Cuba”, disse Rousseff, durante a inauguração do porto, ao lado de Raul Castro. Com os empréstimos, a ilha caribenha fica devedora do Governo brasileiro, e retribui à generosidade da presidenta Dilma Rousseff com acordos como o Mais Médicos, por exemplo, que tem importado médicos cubanos para suprir a carência de profissionais de saúde em regiões periféricas do país. Neste terça, começam a desembarcar mais 2 mil médicos da ilha, que começam a atuar em março. É a terceira leva do programa, que entrou em ação no ano passado.Durante a solenidade de hoje, a presidenta aproveitou para agradecer pela ajuda do “povo cubano” para o programa Mais Médicos.

Porém, qualquer movimento em direção a Cuba é visto com reticências no Brasil, principalmente num momento em que o país apresenta uma política externa tímida, que não condiz com os tempos atuais, onde países vizinhos do continente estão fechando acordos arrojados de livre comércio. “O apoio às obras do porto de Mariel não é um simples investimento de infraestrutura, mas trata-se de um gesto político”, observa Alberto Pfeifer, diretor de negócios do Conselho Empresarial da América Latina (Ceal). Para ele, sair de Davos e seguir para Havana na sequência, é um movimento muito simbólico, que tenta repassar uma certa independência da mandatária. “A presidenta quer mostrar que é ela quem decide o que fazer, com quem, e de que forma”, explica.

O estilo adotado por Dilma, entretanto, não é bem recebido por lideranças empresariais no Brasil. “Este porto cubano facilita o que para o país? O que existe aqui além de uma decisão política e ideological de ajudar a Cuba?”, reclama um representante do setor privado, que preferiu não se identificar. Para Pfeifer, da Ceal, os ganhos num projeto como o porto de Mariel são limitados. “Deveríamos concentrar nossos esforços em projetos com mais ênfase econômica e comercial”. A mesma cúpula da Celac, que acontece em Cuba, tem um peso mais político do que econômico, e emite sinais difusos do Brasil sobre sua política de abertura comercial.

Na página oficial do Palácio do Planalto, o Governo reproduz uma informação divulgada pela Odebrecht, de que o porto de Mariel está gerando 153 mil empregos, diretos, indiretos ou “induzidos”, uma vez que a cada 100 milhões de dólares exportados pelo Brasil em bens e serviços, 19,2 mil empregos são criados. Do total de 1,092 bilhão de dólares, 800 milhões de dólares foram gastos no Brasil, contratando cerca de 400 empresas, explica a Odebrecht. O professor Paulo Vicente, da Fundação Dom Cabral, acredita que a questão não é exatamente Cuba. “Não vejo problemas neste projeto do porto de Mariel, até porque se trata de uma política de Estado, que vai perdurar para além dos Governos Dilma e Raúl Castro”, explica. “Desse ponto de vista, é muito bom para o futuro brasileiro”, completa. “A questão é por que Cuba e por que não investir mais no Brasil.”

Miguel Jorge defende que o BNDES tem um papel importante na internacionalização das empresas, ao financiar negócios no exterior que vão gerar divisas e empregos para o Brasil. Entre janeiro e setembro do ano passado, o BNDES desembolsou mais de 152 milhões de dólares para financiar exportações para Cuba, outro 91 milhões de dólares para negócios com a Argentina, e 436 milhões de dólares para os Estados Unidos, por exemplo.

Mesmo com todo esforço, a atuação no exterior ainda fica aquém do esperado para um país com as dimensões continentais do Brasil. No ano passado, segundo o centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), o país investiu em apenas 12 projetos empresariais de porte na América do Sul e no México, o mesmo número de 2012. “É muito pouco, sendo que os negócios internacionais são importantes ferramentas de integração”, diz Katarina da Costa, economista do (Cindes).

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_