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Na fronteira peruana, a decisão é recebida com aplausos

Primeiras reações de cidadãos e especialistas destacam a obtenção de um território marítimo que o Peru não possuía anteriormente

Manifestantes peruanos em Lima.
Manifestantes peruanos em Lima.AFP

As primeiras reações no Peru à linha traçada pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) destacaram a “vitória relativa” conquistada, o trabalho pendente de delimitação de coordenadas que o tribunal de Haia ainda não fixou e a possibilidade de que as relações entre ambos os países sejam mais frutíferas de agora em diante. Os analistas esperam também que o primeiro pronunciamento oficial chileno use a “palavra mágica”: acatar.

No Teatro Municipal de Tacna, capital do homônimo departamento fronteiriço com o Chile, o qual esteve sob controle chileno durante décadas depois da derrota peruana na Guerra do Pacífico (1879-1883), os moradores aplaudiram no momento que a sentença era lida em Haia, mas parlamentares congressistas pediram que se espere com calma a reação do presidente Ollanta Humala.

Assim que foi divulgada a sentença da CIJ, o representante peruano em Haia, Allan Wagner, agradeceu à sua equipe por sua “magnífica qualidade e patriótica dedicação”, e duas menções deixaram a impressão de satisfação: “À heroica Tacna, minha saudação especial, e uma palavra especial para meu mestre Juan Miguel Bákula, que inspirou este processo”. Bákula foi o embaixador que em 1986 enviou pela primeira vez ao Chile um memorando para definir a fronteira marítima comum.

Wagner entraria em contato com Humala para transmitir sua avaliação de uma sentença de mais de cem páginas, cheia de termos técnicos. Depois, o mandatário peruano sairá ao pátio do Palácio de Governo, em Lima, para expor a reação oficial do Estado peruano. Os líderes das principais forças políticas combinaram de só opinar sobre o anúncio depois do chefe de Estado.

“A sentença delimita fronteiras que haviam sido alteradas por um conflito ocorrido há 130 anos e marca o tipo de relação atual entre ambos os países: expondo argumentos, apelando em igualdade de condições a um tribunal externo e mantendo a cordialidade em uma disputa”, destacou o historiador peruano José Ragas ao EL PAÍS.

Na análise de Ragas, o momento é “uma oportunidade insuperável para estabelecer políticas de governo e educativas sobre como melhorar a relação bilateral. O imaginário coletivo em ambos os países esteve marcado por muito tempo em torno da Guerra do Pacífico, o que se traduziu em atitudes de revanchismo e prepotência que levaram esta disputa a níveis cotidianos e absurdos. Enquanto isso, nos últimos anos ambos os países foram encontrando aspectos em comum, o que os permitiu ser parte, por exemplo, da Aliança do Pacífico e oferecer modelos de estabilidade política e econômica em uma agitada América do Sul”.

O historiador enfatizou ainda que “uma silenciosa migração peruana para o sul está transformando cidades chilenas, como Santiago, em espaços de mestiçagem, o que vem ocorrendo também nas cidades fronteiriças peruanas, como Tacna. É parte de um contínuo cruzamento de fronteiras que já tem pelo menos 500 anos. Será preciso analisar com cuidado como esta decisão afetará diversos setores, especialmente os envolvidos com o mar”.

“Mas, em todo caso, a incerteza já terminou, e, com base no estabelecido, ficará demonstrado se estamos ou não preparados para encerrar esse episódio”, acrescentou Ragas, autor do blog chamado História Global Online, que é uma referência importante sobre os vínculos da atualidade com o passado.

Na emissora estatal de TV, o historiador Antonio Zapata opinou: “O Peru teria obtido um território marítimo extra que antes não possuía, e isso significa uma vitória relativa. Eu gosto que a vitória não seja absoluta, porque isso facilitará a negociação e que o Chile a possa acatar”.

Também na TV-Perú, o analista internacional Farid Kahhat comentou que “desde que permita selar um tema fundamental de delimitação com o Chile, a sentença ajuda a que as relações sejam mais frutíferas no futuro. À primeira vista, parece que o Peru ganha mais do que o Chile, mas será preciso fazer as contas: a corte nunca concede às partes tudo o que pediam”.

Na primeira reação de Kahhat, segundos depois da leitura da sentença, ele comentou que não haverá uma execução imediata da mesma, “porque a corte ordena, pede às partes, que se ponham de acordo quanto às coordenadas. Nisso há uma negociação pendente”.

No Congresso, a comissão de Relações Exteriores se reuniu em uma sessão secreta para avaliar a delimitação estabelecida pela Corte Internacional de Justiça.

Às 17h (hora peruana, 20h em Brasília) a chanceler peruana, Eda Rivas, analisará a sentença em uma mesa-redonda no canal público. O Clube Departamental Tacna (em Lima) e a Escola de Governo da Universidade Católica também organizaram debates com especialistas para conversarem em linguagem acessível sobre as consequências da decisão em Haia.

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