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Os emergentes agitam a paz de Davos

Os líderes econômicos advertem de que começa uma etapa de alta volatilidade e pedem às economias em desenvolvimento que abordem já suas reformas pendentes

Alicia González (ENVIADA ESPECIAL)
Mark Carney, do Banco da Inglaterra, e Christine Lagarde, do FMI, em Davos.
Mark Carney, do Banco da Inglaterra, e Christine Lagarde, do FMI, em Davos.L.GILLIERON (EFE)

Tinha que acontecer. Há meses, os investidores temiam que o momento da correção dos mercados emergentes se materializasse e não faltavam razões de importância para suportar esses medos. Os fundamentos das grandes economias em desenvolvimento deterioraram-se nos últimos dois anos e a possibilidade de que o Federal Reserve (Fed), como aconteceu em dezembro, iniciasse a retirada dos estímulos monetários aumentava a vulnerabilidade das economias mais dependentes do capital estrangeiro. Durante muito tempo, os investidores ignoraram os riscos atraídos pela rentabilidade e o alto valor dos ativos, mas esse padrão sempre tem um final, algumas vezes abrupto e outras mais progressista.

“Os acontecimentos desta semana mostra que não fizemos os deveres”

A explicação é simples para alguém que conhece muito bem como funcionam estes episódios. “Há muitas posições correlacionadas no mercado, algumas com elevadas posições nos mercados emergentes que agora as estão desfazendo”, explicava impassível Larry Fink, presidente de BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, em um dos últimos debates que aconteceu no Fórum Econômico Mundial de Davos, Suíça. A empresa que Fink fundou e dirige gerencia ativos por um valor aproximado de 2,5 trilhões de euros, o equivalente a mais de duas vezes a economia espanhola. “O que acontece é que estas economias se queixavam quando entravam capitais aos montes e agora também se queixam quando saem”, disse Fink.

As tensões vividas nas últimas jornadas nos mercados têm manchado, em certa medida, o otimismo cauteloso que exaltavam os líderes de Davos. Mas nenhum parece achar que vamos assistir a uma mudança de paradigma com os mercados emergentes. “Vivemos até agora em um meio de muita baixa volatilidade e é mais normal se mover para uma maior volatilidade dos mercados, como parece que está acontecendo”, assegurava o representante do Banco da Inglaterra, Mark Carney, no debate sobre perspectivas para 2014. “O que vimos nestes dias é um indicativo do que vai ser no ano. Mas a volatilidade não tem que terminar necessariamente mal”, assegurava Fink.

O colapso do peso argentino e seu efeito de arraste sobre outras moedas emergentes e as bolsas de todo mundo rendeu na desaceleração dos emergentes e sua menor contribuição ao crescimento mundial.

O FMI alerta de que o risco de contágio é uma realidade

“O que ocorreu nesta semana nas bolsas é um lembrete de que não terminamos os deveres e de que não podemos sumir na complacência. O legado da crise é muito pesado e há muitos riscos que podem ser materializados”, alertava nos corredores do Centro de Congressos o diretor da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE), Ángel Gurría. “Repeti muitas vezes: a saída de capitais sempre é bem mais rápida que a entrada e tem que estar preparados”, dizia.

Nas primeiras horas da sexta-feira, a vida de Davos seguia seu ritmo habitual entre conferências, reuniões entre homens de negócios e aulas de esqui e de pilotar na neve para seus acompanhantes, alheios, por completo, às quedas das bolsas e as moedas. “Não me preocupa o que acontece com o peso, me preocupa o que ocorre com a China”, dizia um conhecedor da geopolítica latino-americana.

A presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, sim era consciente do que estava em jogo e aproveitou sua intervenção no auditório do Fórum para lançar uma mensagem clara aos investidores: “Temos 376 bilhões de dólares em reservas para poder enfrentar estas turbulências com garantias”. O humor do centro de congressos começou a mudar quando as bolsas norte-americanas se tingiam de vermelho. Uns perguntavam qual era o detonante de uma queda tão generalizada —“já sabe, o mau dado da produção industrial chinesa”, diziam aqueles que queriam exibir conhecimento—, enquanto alguns banqueiros de investimento se afastavam dos corredores, celular em mãos, para falar com seus escritórios com cara de preocupação. “Temos que saber o que está acontecendo para valer na Argentina porque temos que preparar um relatório para os clientes já”, gritava por telefone um deles desde um canto do espaço de eventos.

Capitais em busca de destino

A saída de capitais dos mercados emergentes pode provocar, dependendo de sua velocidade e de como se produza, sérios problemas nestas economias. Mas as desgraças de uns podem ser as alegrias de outros. “Os mercados do euro podem ser beneficiados da saída de capitais dos emergentes, que buscarão outros ativos para investir”, apontavam ontem fontes europeias.

“Não é que nos alegremos, mas a volatilidade dos emergentes sem dúvida faz os países desenvolvidos serem mais atraentes. Isso pode explicar, também, o que ocorreu nesta semana com o leilão de dívida pública espanhola”.

Se essa tese se confirmar e as tensões nos emergentes se traduzirem em entradas de capitais nos países do euro, isso pode suavizar a instabilidade que se antecipa para o mercado europeu até que concluam as provas de resistência à banca, no final deste ano. “Não parece que o mundo esteja disposto a financiar aos bancos europeus e aí temos um problema muito sério”, admitia o presidente de Deutsche Bank, Anshu Jian, em uma sessão de Davos.

Só essas frentes já garantem em um ano de fortes tensões nos mercados financeiros, isso sem contar com que o gigante asiático chegasse a se ver arrastado pela corrente. “Em um curto prazo, a retirada de estímulos monetários criará uma grande volatilidade nos fluxos de capitais”, apontava o professor do Fung Global Institute de Hong Kong, Liu Mingkang, em um dos debates de Davos. “A China se verá afetada por essa volatilidade, mas esperemos que não seriamente impactada”, admite. A teoria dos cisnes negros —eventos imprevistos e altamente desestabilizadores— se faria então realidade.

O mercado já viveu algo parecido em maio, quando o presidente da Fed, Ben Bernanke, assegurou ante o Congresso dos Estados Unidos que, se a recuperação se consolidava nos meses seguintes, o banco central iniciaria a retirada de estímulos. As bolsas entraram em pânico e as divisas dos países mais dependentes do capital externo, aqueles com maior déficit por conta corrente —Brasil, Rússia, Índia, Indonésia, Turquia e África do Sul—, entraram em uma etapa de instabilidade que se intensificou na sexta-feira passada com o descalabro do peso argentino.

“Os riscos de contágio pela retirada dos estímulos monetários, sobretudo nos EUA, são uma realidade. Em dezembro, o impacto foi menor do que em maio, mas a ameaça está aí”, admitia a diretora gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde. “As reformas não são só uma receita para que os países desenvolvidos eliminem a rigidez de seus mercados de trabalho. É um tema que deve ser abordado em todo mundo”, advertia. “O melhor exemplo é a Índia”. Montek Singh Ahluwalia, presidente da Comissão de Planejamento do país, corroborava. “Em maio nossa situação e a da economia global era muito pior. A Índia tomou medidas e conseguiu reduzir o déficit por conta corrente de 6,7% do PIB a uma categoria entre 4% e 5%”.

Desta vez, os mercados não parecem tão dispostos a dar tanta margem aos países emergentes. “É muito fácil demonizar a retirada de estímulos monetários e jogar a culpa do que acontece, quando o problema na maioria dos casos é a má gestão das políticas nacionais e uma sobredependência da economia chinesa”, advertia a voz de Wall Street no Fórum. A mensagem de Larry Fink não podia ser mais clara. Convém apertar o cinto porque vêm curvas.

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