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Os genes saltitantes são uma das causas da esquizofrenia

Um estudo japonês mostra o movimento dos 'transpósons' no cérebro dos pacientes

Javier Sampedro

O habitual é atribuir a causa das enfermidades mentais ao entorno, com alguns estranhos casos de origem genética. A vanguarda da patologia molecular – a ciência que busca as causas últimas da enfermidade humana – está derrubando esse paradigma ao mostrar até que ponto o entorno atua por intermédio dos genes. Cientistas de Tóquio revelam hoje que os chamados “transpósons”, genes saltitantes que mudam de posição no genoma nas células precursoras dos neurônios, são uma causa importante da esquizofrenia. Os transpósons geram a variedade neuronal durante o desenvolvimento normal. Sua mobilidade excessiva pode se dever a causas hereditárias, mas também ao entorno, o que poderia explicar os atuais paradoxos sobre a genética das enfermidades mentais.

Não é que o genoma dos neurônios enlouqueça, e então tudo comece a correr mal e o acaso termine por causar a esquizofrenia. Os erros simples podem ser a causa de raras enfermidades hereditárias – as monogenéticas, ou decorrentes da mutação de um só gene –, mas as grandes enfermidades humanas, como o câncer ou os transtornos mentais, têm componentes genéticos muito mais sutis.

A razão pela qual os transpósons provocam a esquizofrenia é que eles se inserem perto de genes essenciais para o desenvolvimento e o funcionamento do cérebro. Assim, eles não só alteram sua atividade como também a forma como eles reagem ao entorno. A regulação dos genes depende precisamente das sequências de DNA a seu lado, e o transpóson protagonista desse estudo, chamado L1, contém sequências especializadas em responder ao entorno e regular os genes vizinhos. Nisso se baseia sua função durante o desenvolvimento normal, e também na gênese da esquizofrenia.

O habitual é atribuir as enfermidades mentais ao entorno

Tadafumi Kato, Kazuya Iwamoto e seus colegas do departamento de Psiquiatria Molecular da Universidade de Tóquio, em colaboração com outras instituições japonesas, apresentam na revista Neuron, uma referência na área, uma pesquisa do cérebro de 48 pacientes com esquizofrenia e 47 pessoas em um grupo de controle, complementada com estudos genéticos, experiências em células-tronco derivadas de pacientes e comprovações em modelos animais como ratos e macacos. Todos os resultados apontam para a mesma conclusão: um claro incremento dos episódios de transposição nos neurônios, ou nas células precursoras dos neurônios, e no córtex cerebral pré-frontal – a parte mais anterior do cérebro, e a qual experimentou um maior crescimento durante a evolução humana – dos pacientes com esquizofrenia, ou então nos modelos celulares e animais baseados neles.

O descobrimento dos transpósons, os elementos móveis do DNA, foi feito por Barbara McClintock e se tornou um dos marcos da biologia do século passado – a despeito do caminho tortuoso que trilhou. McClintock, talvez a geneticista mais brilhante do século XX, acabou recebendo o prêmio Nobel nos anos oitenta por uma descoberta que ela havia demonstrado já na década de 1940 além de qualquer dúvida razoável, diante do ceticismo geral. O fato de os genes – a base de dados biológica definida por Mendel – poderem se deslocar e saltar pelos cromossomos é algo que não agradava ao biólogo médio daquela época.

A descoberta, fundamentalmente feita por Fred Gage, do Instituto Salk, da Califórnia, de que o transpóson humano L1 estava ativo nos precursores dos neurônios foi um dos grandes saltos conceituais da década passada – algo como a geometria fractal, em menor escala e guardadas as devidas proporções. E sua recepção pela elite científica está sendo igualmente lenta.

Mas os dados são teimosos e continuam se acumulando em favor da grande visão de McClintock: que os transpósons modificam o genoma em resposta ao entorno.

O estudo japonês não estava direcionado especificamente para a esquizofrenia; os autores também examinaram tecidos cerebrais obtidos de pacientes com transtorno bipolar e depressão grave, em uma tentativa geral de associar as principais enfermidades mentais a altas taxas de transposição. Os resultados, entretanto, só são significativos no caso da esquizofrenia. Os cientistas de Tóquio foram capazes, além do mais, de demonstrar o efeito de certos fatores do entorno que sabidamente aumentam o risco de esquizofrenia em diversas situações, sobretudo nos períodos perinatais e neonatais, em conjunto com altas taxas de mobilidade do transpóson L1.

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