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Coluna
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Previsões para 2014

O assunto mais comentado em 2014 será a Copa do Mundo. Com ou sem ela, nos manteremos como a sétima economia do planeta. E a terceira mais injusta distribuição de renda

É tradição encerrar o ano com predições – não desejos, esperanças ou querências, mas adivinhações baseadas em contextos, análises e intuições, como ensina o cientista político Ângelo Rossi, em seu best seller Método Prático de Previsões –, enfim, como é tradição, vamos também contribuir com alguns vaticínios para o ano que já se avista. Para tanto, consultamos Janjão do Jardim Paraná e Tia Maura, conhecidos videntes da Brasilândia e do Itaim Paulista, respectivamente, moradores de bairros situados nos extremos da cidade de São Paulo, e, após anotar suas projeções, me sinto à vontade para também palpitar, tudo na vida é palpite, daí resultando as considerações que se seguem.

O assunto mais comentado de 2014, no Brasil, e na maior parte do planeta, será, sem dúvida alguma, o futebol. Logo após o carnaval, a Copa do Mundo, tal qual o siroco, bafo quente e seco que o Saara assopra em direção à Europa, ganhará as ruas, os bares, as casas, dividirá famílias, encerrará amizades, romperá namoros e casamentos. Haverá manifestações, tímidas umas, arrojadas outras, contra a corrupção que triplicou o orçamento dos estádios – elefantes brancos, muitos jamais voltarão a ser utilizados – e de obras de infraestrutura que, embora necessárias, talvez não fossem prioritárias. Quando junho chegar, o país será invadido por hordas de torcedores ávidos por bebida e prostituição – que a beleza de um espetáculo de futebol significa apenas 90 dos 1440 minutos do dia. Em meados de julho, quando tudo estiver findo, o que restará?

Ah, claro, mas quem guardará a Taça Fifa pelos quatro anos seguintes? Esse é outro tema que invadirá as ruas, os bares, as casas... Segundo consenso entre os videntes ouvidos, vai ganhar a Copa do Mundo de Futebol de 2014 um país, já vencedor anteriormente, com a cor branca estampada em seu uniforme ou em sua bandeira... Mais que isso, nem os astros se arriscam...

Para que ao futebol não se emendem as eleições, nenhum coração suportaria, existirão as férias, quando muitos perecerão, porque o trânsito brasileiro mata mais de 60 mil pessoas por ano, sendo a segunda maior causa de óbitos no país. Os sobreviventes, descansados, estarão prontos para encarar a campanha eleitoral que invadirá as ruas, os bares, as casas e dividirá famílias, encerrará amizades e romperá namoros e casamentos... Muitos analistas dirão que o desempenho da seleção nacional nos campos de futebol determinará o humor dos eleitores nas urnas. Porém, não é isso que quem caminha pelas cidades escuta... A percepção é, chova ou faça sol, a situação dificilmente verá abalada suas pretensões de permanência no poder. E, isso, por uma razão simples: no Brasil, a educação e a saúde nos envergonham, a corrupção grassa em todos os níveis da administração pública e da sociedade civil, os cuidados com o meio-ambiente são ignorados, a violência nas ruas, emulada pelo tráfico de drogas, é dado corriqueiro, e, entre quatro paredes, opressiva. Mas, e esse “mas” é fundamental, a classe média baixa nunca esteve tão bem: com um pouco mais de dinheiro injetado no orçamento doméstico come mais, compra carros e eletrodomésticos, anda de avião, consegue colocar o filho na universidade, seja pelo regime de cotas, pelo sistema de acesso via Enem ou com bolsas do Prouni. Quando um cenário como esse se descortinou anteriormente?

O Brasil continuará a crescer? Sim, dizem as estrelas em uníssono... A Copa do Mundo trará divisas e movimentará a economia – compensando as perdas da indústria e do comércio, que verão dias úteis se transformarem em improvisados feriados... E virão as eleições, época em que, como aves migratórias, as notas de real, lavadas e enxugadas, sobrevoam os céus azuis da primavera brasileira, e são abatidas a tiros para alimentar as campanhas políticas. Resultado: um modesto crescimento do PIB, em torno de 2%.

Inflação? Sim, haverá, berram os cometas altissonantes, pois os preços todos serão alinhados à nova realidade de turistas estrangeiros abarrotados de dólares e euros. Todos sabemos, uma das nossas características é a ganância, então, venham os gringos, vamos esfolá-los todos, nem que para isso tenhamos que nos esfolar a nós mesmos! Portanto: 5% de inflação oficial é a previsão que fazemos – lembrando, a inflação, como o tempo, é uma percepção subjetiva... Para um morador de São Paulo, o tempo corre mais rápido, aparentemente, do que para um habitante de, digamos, Vacaria...

No verão, chuvas causarão desmoronamentos e mortes em bairros pobres de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina e incêndios consumirão florestas em Minas Gerais, Mato Grosso e Amazonas. Grandes empresários serão denunciados por corrupção, e políticos serão presos em orgias de cocaína e mulheres – uns e outros aparecerão indignados na televisão, alegando inocência, retidão de caráter, vida ilibada. Mulheres serão assassinadas pelo companheiro, homossexuais serão vítima do preconceito, amarildos serão mortos pela polícia, animais silvestres serão dizimados por fazendeiros comedores de árvores.

Nos manteremos como a sétima economia do mundo. E nos manteremos como a terceira mais injusta distribuição de renda do planeta.

A conferir.

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