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CORRUPÇÃO EM SÃO PAULO

Promotores preparam megadenúncia contra construtoras paulistanas

Mais de 30 empresas são investigadas por fraudar até 500 milhões de reais em impostos na maior cidade brasileira

O promotor Roberto Bodini.
O promotor Roberto Bodini.Divulgação.

Se há corruptos, há corruptores. É baseado nessa lógica que o Ministério Público de São Paulo deve fazer, nos próximos meses, uma megadenúncia à Justiça contra mais de 30 construtoras brasileiras e multinacionais pelo crime de corrupção ativa. Elas são suspeitas de terem pago 29 milhões de reais em propinas para auditores fiscais da Prefeitura de São Paulo, em troca de um desconto de 50% no valor total do Imposto Sobre Serviço (ISS).

O esquema, investigado desde abril deste ano, já é considerado um dos maiores escândalos de corrupção na capital paulista. A Controladoria-Geral do Município suspeita que, por causa das fraudes cometidas por um grupo de auditores, mais de 500 milhões de reais deixaram de ser recolhidos em impostos em um período de cinco anos.

A fraude funcionava assim: um fiscal ia até a obra que estava sendo executada e calculava o valor que deveria ser pago de imposto. Por exemplo, se fossem 10.000 reais, ao invés de recolher o dinheiro aos cofres municipais, o fiscal dizia aos responsáveis pela obra que poderia dar um desconto, mas o dinheiro tinha de ser entregue diretamente a ele. A construtora pagava, então, a metade do preço: 5.000 reais. Apenas 20% desse valor recebido era retido como imposto e assim era possível obter a autorização de instalação ou moradia, por meio de um documento conhecido como “Habite-se”. Outros 1.000 reais eram entregues para um despachante que também estava mancomunado com os funcionários públicos. Os 3.000 reais restantes acabavam repartidos entre os fiscais membros da suposta quadrilha.

A complexidade do caso e o volume de trabalho são tão grandes que, nesta terça-feira, o promotor que chefia as investigações, Roberto Bodini, anunciou que será montada uma força-tarefa, juntamente com a Polícia Civil, para analisar as centenas de documentos apreendidos. Esses papéis comprovariam que as empresas agiriam em conluio com um grupo de auditores fiscais para lesar os cofres públicos. A ideia é que cada empresa responda civil e criminalmente pelos seus atos.

Em um primeiro momento, chegou-se a imaginar que esse grupo de fiscais extorquia as construtoras. Porém, no decorrer das apurações, os promotores passaram a desconfiar de tal tese. “Se as empresas se dizem vítimas, elas não agiram como tais”, disse Bodini. Para ele, as construtoras deveriam revelar a fraude, ao invés de pagar os valores pedidos pelos fiscais.

Entre as empresas investigadas estão gigantes da construção civil, como a Brookfield, Tecnisa e Cyrela. A Brookfield é a terceira maior do país e a Cyrela, a sexta. A Tecnisa já esteve entre as grandes construtoras, mas no ano passado amargou prejuízos milionários e saiu do ranking das 100 maiores. As três empresas têm ações na Bolsa de Valores. Há, ainda, o empresas menores como Tarjab e Trisul. Os documentos apreendidos em outubro mostram ainda que até um hospital (o Igesp) e um shopping (o Iguatemi) estariam envolvidos no esquema, conforme o Ministério Público.

 A Brookfield chegou a admitir, em um documento entregue voluntariamente aos promotores, que pagou 4,1 milhões de reais como propina aos representantes da prefeitura paulistana. Por outro lado, alegou ser vítima de extorsão. Procuradas pelo EL PAÍS, as construtoras Tecnisa, Tarjab e Trisul não comentaram a investigação. Anunciaram, apenas, que estão dispostas a colaborar com o Ministério Público. A Cyrela informou que desconhece qualquer irregularidade em seus empreendimentos e que também vai ajudar no trabalho dos promotores. Já o shopping Iguatemi, um dos estabelecimentos frequentados pela clase alta de São Paulo, e o hospital Igesp culparam suas construtoras por eventuais irregularidades, que ambos negam conhecer.

Até agora, dois dos seis fiscais investigados já admitiram o crime e fizeram um acordo de delação premiada, pelo qual podem ter a pena reduzida se colaborarem com as investigações.

As companhias, porém, não estariam colaborando com a apuração, o que tem incomodado os promotores. Quando a operação que revelou todo o esquema estourou, no fim de outubro, o Ministério Público esperava que as empresas procurassem os promotores e repassassem as informações necessárias para comprovar que esse grupo de fiscais as estava achacando. Com o passar do tempo, perceberam que não teriam essa colaboração. Afinal, essas empresas, como dizem os investigadores, não parecem ser tão vítimas como querem pintar.

O que mudou o rumo dos trabalhos foi a descoberta de uma planilha com detalhes dos valores recebidos. Nesse documento há informações com nomes de 410 empreendimentos em construção, quanto eles deveriam pagar de ISS, quanto pagaram aos auditores, qual valor foi repassado como real imposto e quais construtoras fizeram parte do esquema entre junho de 2010 e outubro de 2011. É nessa tabela que consta o pagamento de 29 milhões de reais em propinas.

Como o esquema teria começado em 2007, segundo a investigação, o rombo aos cofres públicos certamente é maior do que o divulgado até agora.

Com o dinheiro arrecadado, segundo relataram os promotores, os fiscais fizeram fortuna. O patrimônio de cada um deles é estimado em aproximadamente 20 milhões de reais. Algo que seria incompatível para quem tem salários mensais entre 15.000 e 20.000 reais. Alguns deles já foram vistos andando em carros de luxo importado, lanchas de última geração e fazendo voos em aeronaves particulares.

Um dos envolvidos no esquema, o auditor Luís Alexandre Cardoso de Magalhães, chegou a afirmar em entrevista ao Fantástico, programa dominical da Rede Globo, que levava uma vida nababesca. Comprou carros de luxo, lanchas de 500 mil reais e gastava até 8 mil reais por noite com garotas de programa. Quando questionado se teria como devolver o dinheiro, afirmou que teria de pedi-lo de volta para as mulheres com quem saiu.

A expectativa do Ministério Público é de que até fevereiro os dois braços da suposta quadrilha sejam denunciados à Justiça. De um lado, estariam os fiscais Ronilson Bezerra Rodrigues, Luis Alexandre Cardoso Magalhães, Eduardo Horle Barcelos, Carlos Augusto Di Lallo, Amilcar José Cançado e Fábio Remesso. Do outro lado, estão as mais de 30 empresas. Em caso de condenação, cada fiscal e cada representante das construtoras pode pegar de dois a doze anos de cadeia por cada crime cometido.

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