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O desencanto fortalece os radicais

A rua está dominada por jovens nacionalistas de direita que querem a mudança aqui e agora No movimento de protesto faltam líderes que garantam que não terá violência

P. BONET
Manifestantes proeuropeos, neste domingo em Lviv.
Manifestantes proeuropeos, neste domingo em Lviv.YURIY DYACHYSHYN (AFP)

A concentração de cidadãos esperançosos que pedem a integração da Ucrânia à União Europeia, o  movimento que ganhou o Euromaidan, se transforma de forma inquietante como consequência da violência que explodiu em Kiev. Agora, quando as colunas de fumaça procedentes dos gases lacrimogêneo e os disparos aumentam na frente da sede administrativa da presidência, não é o momento para vaticinar as consequências geopolíticas da luta de rua pelas instituições do Estado. Mas podem ser apontados alguns problemas que afetam a estabilidade da Ucrânia e por extensão a estabilidade da Europa.

Os confrontos evidenciam que na Ucrânia faltam líderes carismáticos capazes de garantir que não se produzirá um final violento. Em 2004, durante a Revolução Laranja, o presidente de saída Leonid Kuchma, por uma parte, e seus oponentes, Víctor Yúshenko e Yulia Timoshenko, insultaram-se, enganaram-se e desferiram golpes baixos, mas foram sempre cientes de que deviam evitar o derramamento de sangue. É mais, entre maidan e maidan, Timoshenko sondava as forças de segurança e as tornou um importante ponto de controle para manter contatos entre uns e outros.

O maidan de 2004 atraía pessoas com uma mensagem de esperança, que se resumia no desejo de democratizar a Ucrânia e de acabar com a corrupção. A mudança chegou, mas a equipe laranja, com suas lutas internas e suas próprias corruptelas, decepcionou aos ucranianos. O resultado nas presidenciais de 2010 foi a vitória de Yanukóvich, o grande derrotado de 2004.

Yanukóvich, um homem duro que fez carreira na região mineira de Donetsk, trouxe com ele um maior nível de cobiça e corrupção que seus predecessores. Isso é dito abertamente pelos líderes da oposição e confirmado em privado por fontes do partido das regiões. Uma vez que os bens públicos do Estado estavam já repartidos, a família teve que explorar um pouco mais as pequenas e médias empresas que hoje estão afogadas pelos impostos e pelas extorsões, que reclamam propinas para resolver gerenciamentos.

Os ucranianos estão fartos no oeste e no leste. A diferença entre uns e outros é que os do oeste têm mais vontade de luta e mais motivação pela possibilidade de mudança, associada a Europa. Enquanto isso, os do leste ficaram desabrigados, nas minas, na metalurgia e na indústria pesada, que beneficiam os clãs vinculados aos Yanukóvich. Os do leste estão mais cientes de que a vontade de luta pode ter penosas consequências. Em Donetsk, assinalam, está encarcerado o líder do movimento popular de protesto contra umas obras urbanas vinculadas às empresas do filho do presidente, o dentista Alexandr Yánukovich, um dos homens mais ricos da Ucrânia, conhecido também por Alexandr, o Estomatólogo.

Em 2004, a alternativa a Leonid Kuchma não tinha nem o radicalismo nem o nacionalismo que está se apoderando da alternativa de Yanukóvich hoje. A rua está a cada vez mais dominada por grupos extremistas, jovens nacionalistas de direita, que querem a mudança aqui e agora e sentem alergia pelos procedimentos democráticos desvalorizados. Estes jovens extremistas se sentem enaltecidos pelo apoio que a Europa presta à Ucrânia e —em parte— flutuam em torno do partido Svoboda (Liberdade), que dirige Oleg Tiagnibok, um dos três líderes da oposição.

Liberdade moderou sua linguagem depois de entrar no Parlamento em 2012, embora siga flertando com o conceito de ucraniano étnico e com outras ideias conservadoras, algumas delas não se encaixam em uma Europa tolerante e aberta. Neste domingo, Tiagnibok e os outros dois líderes da oposição, o campeão de boxe Vitali Klichkó e o ex-chefe da Rada Arseni Yaseniuk, exortaram os manifestantes que assaltavam a administração presidencial a voltar para a praça da Independência. Mas, a diferença em relação a 2004, não sabemos se os manifestantes vão lhe ouvir e também não sabemos se Yanukóvich vai continuar com o sentido comum que finalmente mostrou Leonid Kuchma.

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